terça-feira, 21 de julho de 2009

1.1 REI ARTHUR: UMA PERSPECTIVA DE DESMITIFICAÇÃO



1.1 Rei Arthur: uma perspectiva de desmitificação


É notório, o quanto os elementos simbólicos e alegóricos imergem nos contos arthurianos, cada um destes elementos redundantes formam as inserções coletivas, das quais classificaremos como mitologemas.
Tais mitologemas construirão uma imagem, buscarão por uma “identidade”, por uma “nacionalidade”, apresentarão um cenário, seja ele reminiscente de uma plano histórico, dentro de um plano real, ou reminiscente de um plano imaginário, sendo o mito o próprio imaginário do discurso.
Levi-Strauss define os mitologemas em “uma espécie de narrativa redundante de recorrência”, na qual estes mitologemas implicarão em uma seleção de engate, ou seja, um elo de desmitificar, ou desmascarar.
A denúncia da máscara que são as imagens que vêm disfarçar nossos impulsos, nossos desejos mais tenazes, é análoga a revelação da essência do anjo, por assim dizer, da essência do espírito através dos avatares de encarnação, da situação no mundo.
Ao passo que outra vertente, conduz a uma remitização: o recolhimento do sentido, colecionado, vindimado, em todas as suas redundâncias e freqüentemente vivido através da consciência que o medita em uma epifania instauradora, constituinte do próprio ser da consciência.
Entretanto, Paul Ricoeur (1968) afirma que os mitos buscam uma compreensão da realidade humana na sua totalidade, através da linguagem simbólica, e tentam expressar o enigma da existência traduzido na discordância entre a realidade fundamental e a realidade atual do homem.
O mito é, assim, uma narrativa e, como tal interpretação do vivido, é reconstruído pela razão do nosso ser no mundo. “
Fabricando mitos, intrigas e metáforas, a imaginação dá forma à experiência humana”.
A função da metáfora é a de trazer para a linguagem aspectos de nosso modo de viver e de habitar o mundo que sem ela permaneceriam mudos, ignorando-se assim esta faculdade singular que a linguagem possui de se ultrapassar a sim mesma, longe de ser ornamental, como acreditava a retórica, a metáfora torna-se um verdadeiro detector de experiências raras.
A história não é a reconstrução pura do acontecimento, na melhor das hipóteses seria uma reconstrução fictícia gerenciada por um fato incontrolável.
Em um processo inverso, atrás da narrativa mítica e da ficção, há uma experiência verídica que aspira a ser contada, compreendida, escutada, porém em um nível profundo que não se pode ver.
Assim, depara-se em duas maneiras de ler e confrontar um símbolo.
Dessa maneira Paul Ricoeur (1959) legitima as duas hermenêuticas entre o desmistificar e o remitizar, ao afirmar que “todo símbolo é duplo: pois, o significante, organiza-se arqueologicamente entre os determinismos e os encadeamentos causais, é “efeito”, sintoma; mas, portador de um sentido, orienta-se para uma escatologia tão inalienável como as colorações que lhe são dadas pela sua própria encarnação em uma palavra, um objeto situado no espaço e no tempo.
Walter Benjamin (1986) diz que “essa utilidade da narrativa pode consistir seja num ensinamento moral, seja em uma sugestão prática, seja num provérbio ou numa norma de vida, de qualquer maneira o narrador é um homem que sabe dar conselhos”.
“O conselho tecido na substância viva da experiência tem um nome: sabedoria.
A informação não transmite essa sabedoria porque a ação narrada por ela não foi tecida na substância viva da existência do narrador.
O narrador é aquele que transmite uma “sabedoria” decorrente da observação de uma vivência alheia, visto que a ação que narra não foi tecida na substância viva da sua existência, nesse sentido ele é puro ficcionista, pois tem de dar “autenticidade” a uma ação que, por não ter o respaldo da vivência, estaria desprovida da autenticidade.
Esta vivência advém da verossimilhança que é produto da lógica interna do relato, na qual o narrador sabe que o “real” e o “autêntico” são construções de linguagem.
De acordo com Lukács, a epopéia enfoca o herói invariavelmente como um simulacro de sua coletividade; o indivíduo é, aqui, em virtude de esse gênero representar a luta de uma comunidade unida contra a ameaça de um inimigo externo, o resumo das virtudes heróicas de seu povo.
Ao confrontar o herói épico como um herói dos tempos modernos, Lukács concebe como forma prototípica dos conflitos que estalam no seio da sociedade burguesa, em que o verdadeiro protagonista, o motor da história, é a luta de classes, o objeto é antes do mais, o conjunto das contradições existentes entre o herói individual e a sua sociedade.
Não que o herói romanesco, à semelhança do épico, deixe de representar e até mesmo se identificar com sua coletividade, na forma romance, o herói se identifica com uma das classes, em luta contra todas as demais classes da sua sociedade.
Barthes analisa os mitos da sociedade moderna, compreendendo por mito, outra vez de modo peculiar, idiossincrásico, mesmo não a narrativa que focaliza a emergência para a história e o mundo fenomênicos de uma entidade ou processo do mundo profano na sua relação originária com o mundo das divindades (como a mitografia clássica greco-romana ou a judaico-cristão) ou numa visão mais moderna, nem mesmo com o relato que propõe uma solução imaginária para uma contradição real insolúvel historicamente, mas sim, diante do complexo sistema de imagens e crenças que a sociedade elabora para fundamentar os sentidos de tudo o que ela mesma faz, objetos, instituições, modas, usos, costumes, tudo submetido à clivagem de dois modos de existência, um ligado à simulação (o modo de existência de algo que ‘parece ser o que não é’), outro ligado à dissimulação (o modo de existência de algo que ‘não parece ser o que de fato é’), e depois neutralizou, por meio do ato de prestidigitação do ‘demônio da analogia’, para torná-los instrumentos de manipulação inconsciente das pessoas de uma comunidade.
O sentido, para Barthes, não é propriedade do objeto, mas do uso que fazemos desse objeto.
No mito em que Barthes pensa, há sempre um significante, um significado e o produto da sua
associação numa nova entidade, o signo.
O mito opera tomando um signo já-construído, investido, ‘cheio’ de sentido no interior do seu próprio sistema das línguas naturais, e o esvazia desse sentido primeiro até que ele se converta num significante ‘vazio’, a ser investido por outro significado, contextualmente construído.
Um objeto, na acepção que esse termo tem na matriz significante do ‘objeto de conhecimento’, exibe (faz ver) um sentido aparente (é a nossa interpretação do pensamento de Barthes) ocultar (fazer não ver) um outro sentido (que é o sentido do outro, do grupo)...
Tudo é objeto e todo objeto pode ser relacionado com outro sentido oculto, para se converter em signo de algum mito.
Pode-se conceber que, as hermenêuticas opostas, e no centro do próprio símbolo, a convergência de sentidos antagonistas devem ser pensadas e interpretadas como um pluralismo coerente onde o significante temporal, material, ainda que distinto e inadequado, se reconcilia com o sentido, com o significado fugaz que dinamiza a consciência e salta de redundância, de símbolo em símbolo. Convém frisar que para o homem a dimensão de apelo e de esperança, preponderante de uma total desmistificação equivaleria a anular os valores da vida diante da constatação brutal de nossa mortalidade.
E a esperança, sob pena do cúmulo da morte, jamais pode ser mistificação, ela se contenta em ser mito.
A perspectiva de desmistificar o símbolo e ao mesmo tempo remitificá-lo, se nutre da extração precisa de contigências biográficas e da história, na qual a intenção dos símbolos a de transcender a história.
_____________________________


Notas de Referências
1 Ostranienie vocábulo russo para estranhamento segundo o conceito de Chkloviski. (grifo da autora)
2 Milles Dillon e Nora K. Chadwick. The Celtic Realms, Weindefeld and Nicolson, Londres, 1967, cap.1,p. 7.
3 Henry Hubert. The Greatness and Decline of the Celts, Kegan Paul, Londres, 1934, III, cap.2, p. 229.
4 A. Lalande, Vocabulaire critique et technique de la philosophie, artigo “symbole sens”, n. 2. Paris, 1951.
5 Cf. C.G. Jung. Psychologische Typen, p. 642. 1920.
6 Cf. F. Creuzer, Symbolik und Mythologie der alten Volker, p. 70, 1900.
7 P. Godet. Sujet et symbole dans les arts plastiques. In: Signe et symbole, p. 125.
“A figura alegórica tem significação fora de si mesma, dentro do programa conceptual que tem por missão ilustrar”.

2 comentários:

  1. MUITO INTERESSANTE, SÓ NAO LI!!!KKKKKKKKKKKKKKKKKK.... ME AJUDOU MUITO NO MEU TRABALHO

    ResponderExcluir
  2. Walter Benjamin (1986) - data de ...?

    ResponderExcluir