sexta-feira, 31 de julho de 2009

A LENDA DO REI ARTHUR E DOS CAVALEIROS DA TÁVOLA REDONDA - cap. 2


cap. 2

Primeiros Contos Arthurianos

A Difusão da Lenda


Como a história de um comandante que lutava para restringir o avanço saxônico em uma pequena região da Bretanha conseguiu atingir tal grau de popularidade na Europa? Este fato deve-se principalmente aos contadores de histórias bretões. Pelo excessivo número de bretões que se refugiaram na Armórica, esta passou a se designar Britânia ou Pequena Bretanha e entre este povo as histórias e lendas bretãs se mantiveram vivas através da tradição oral. As baladas bretãs são citadas pela primeira vez pelos romancistas franceses do século XII e tinham como objetivo entreter os chefes e suas famílias. Os bardos, contadores ou recitadores de contos heróicos, para terem sucesso, precisavam, primeiramente, de uma boa fábula para contar, depois precisava de memória, uma boa capacidade dramática para a representação, além, é claro, da receptividade emocional dos ouvintes. Qualidades comuns entre os celtas. Na catedral de Modena, sobre o arco do portal norte, encontra-se uma impressionante prova de como foi a difusão da lenda propagada pelos bardo: em um friso semi-circular, uma mulher é retratada em uma torre ladeada por um fosso e seis cavaleiros avançam, três de cada lado. Na figura feminina está inscrito Winlogee, em três dos protetores da torre aparecem os nomes de Burmaltus, Mardoc e Carrado e em um dos cavaleiros que avançam está inscrito Artus de Bretani. Loomis diz que o nome Winlogee seria uma forma de transição entre o nome bretão Winlowen e o francês Guinloic. Esta é a mais antiga referência a Guinevere na história de Arthur. Presume-se que esse entalhe ilustre a expedição que Arthur fez para salvar Guinevere quando foi raptada por Modred, filho de Arthur, e mantida por ele em uma torre, quando Arthur combatia Lancelot longe dali. Essa história é citada no que se supõe ser uma biografia de Gildas escrita por Caradoc de Lancafarn na primeira metade do século XII. Julga-se que o entalhe do pórtico da catedral deva ter sido feito entre 1099 e 1120.

A Transformação em Rei

Foi no começo do século X que Arthur, na imaginação popular, transformou-se de comandante em rei. No poema galês sobre a batalha de Llongborth, Arthur é chamado de imperador. No entanto, o poema é posterior ao fato, já que, se ele tivesse sido feito na época de Arthur, deveria ser feito em bretão e não em galês. É provável que se trate de uma reconstrução galesa de um poema bretão, composto não muito depois da batalha, no século V. A mais famosa história galesa, Culwych e Olwen, do final do século X, mostra a transição na posição de Arthur; ele ainda não é chamado de rei, mas é mostrado como um poderoso líder, presidindo sua corte com poderes sobrenaturais. Já no século XII é chamado de imperador em outro famoso conto galês, The Dream of Rhonabwy. Esses dois contos fazem parte do Mabinogion, onde estão dois manuscritos, um escrito entre 1300 e 1325, conhecido como o White Book of Rhydderch (Livro Branco de Rhydderch), e outro escrito entre 1315 e 1425, Red Book of Hergest (Livro Vermelho de Hergest), quatrocentos anos mais tarde que Culwych and Olwen e talvez duzentos mais tarde que The Dream of Rhonabwyn.


Godofredo de Monmouth

Em 1135 havia um novo Arthur diante do mundo: um soldado profissional, rei coroado, famoso por sua generosidade e seu exemplo cavalheiresco, estabelecido em uma corte, não em um anônimo reino fantástico, mas na real cidade de Caerleon-on-Usk. Alguém que presidia torneios em seu país e que, no exterior, em vez de tomar parte em ridículas aventuras, em contos populares, realizava conquistas fantásticas, anexando a Escócia, a Irlanda, a Noruega, a Dinamarca e a Gália, e que só foi chamado de volta durante o ataque a Roma devido a uma insurreição traiçoeira em seu país. O sucesso obtido pela Historia Regum Britannie, de Godofredo de Monmouth é quase tão interessante quanto à própria história de que trata. Seus duzentos manuscritos já eram conhecidos antes do fim do século XII na França, Espanha, Itália, Polônia e Bizâncio. Godofredo de Monmouth era um monge bretão ou galês nascido em Monmouth, e escolheu situar a corte de Arthur na cidade de Caerleon, construída perto de ruínas romanas, a trinta quilômetros de sua terra natal. Ele tinha técnica para escrever, o que o habilitava a juntar lendas já conhecidas e estimadas e apresentá-las em um conjunto compacto e brilhante; apesar de dizer que estava escrevendo sobre fatos históricos, registrava, em função do seu interesse, o que sabia serem mentiras, atribuindo-lhes grande aparência de convicção; acima de tudo, escolhia um rei britânico ou rei qualquer da Historia que mais pudesse interessar aos leitores e ouvintes. O desfilar começa com o mitológico Brutus, que veio de Tróia para colonizar a Bretanha, e termina com o mitológico Cadwallo. Fala de noventa e nove reis ao todo, e um quinto do trabalho é dedicado à história imaginária de Arthur. Talvez não tivesse inventado muito; adaptou lendas existentes, acrescentando alguns fatos inatacáveis, apresentando-os como fatos históricos. Sua contribuição para a história de Arthur foi a afirmação de que ele era filho de Uther Pendragon, que governava Caerleon-on-Usk, que seu primeiro-ministro era Merlin e que foi conduzido para a ilha de Avalon, quando ferido mortalmente. Loomis mostra que Godofredo descobriu um lenda galesa sobre um vidente chamado Myrddin. E que encontrou em Nênio uma história sobre um menino vidente chamado Ambrosius que profetizara a Vortigern a sua destruição e a vitória dos saxões. Assim, identificou esse menino como Merlin. Isso trouxe Merlin à órbita de Ambrósio Aureliano, estabelecendo uma ligação entre Merlin e Arthur, já que dizia que Ambrósio Aureliano era irmão de Uther Pendragon. Loomis afirma que Godofredo haveria encontrado uma lenda córnica sobre Arthur sendo fecundado na terra de Tintagel por Uther Pendragon e Igerna, a pudica e bela esposa de Gorlois, duque da Cornualha. Isto aconteceu através dos poderes mágicos de Merlin, que deu a Uther a aparência do duque de Gorlois, enganando a ingênua esposa, com quem se casa depois de matar Gorlois em batalha. Godofredo afirma que Arthur e Modred lutaram um contra o outro e que este forçou Guinevere a se casar com ele na Ausência de Arthur. Usando a tradição de Camlann (sem, no entanto, nomeá-la), Godofredo diz que Arthur perseguiu Modred na Cornualha até depois do rio Camel. Nesse encontro, Arthur teria sofrido um ferimento mortal, sendo levado então para Avalon. Godofredo diz que Arthur, quando sucedeu Uther Pendragon, era um menino de quinze anos. Teria então juntado um exército de jovens da sua confiança e saído para libertar a Bretanha do jugo saxão. A Batalha de Badon, Godofredo identifica com tendo ocorrido em Bath, dando nomes às partes da armadura de Arthur: o escudo Pridwen (confundido com o navio de mesmo nome no qual Arthur viajou para Annwyn), sua lança Ron e sua espada Caliburn, embora dar nomes às espadas fosse uma prática antiga, vigente até a Idade Média. A espada de Carlos Magno era chamada Joyeuse e Godofredo diz, seja lá qual for a sua autoridade para isso, que a espada de Júlio César era chamada de Morte Açafrão. À vitória de Arthur em Badon seguiu-se outra campanha na qual ele venceu os irlandeses e os escotos, a quem resolveu destruir completamente. Somente a intervenção dos bispos escotos é que se poupou o restante da população. Selvageria semelhante ocorreu com a Noruega, que só foi poupada quando submetida completamente a Arthur, bem como a Dinamarca. Depois da batalha contra os irlandeses, casa-se com Guinevere, nascida de uma família romana nobre e a mais bela da ilha. Logo depois ele decide invadir a França, onde a questão é resolvida por um simples combate entre ele e o tribuno Flollo. Pelos nove anos seguintes, Arthur dedica-se à conquista da França, distribuindo as terras entre os nobres da sua terra natal. Na primavera, a paz voltava à Bretanha. Logo após, ele relata a coroação e o casamento com Guinevere. O acontecimento seguinte foi a ordem do imperador Lúcio Hibério cobrando de Arthur um tributo da Bretanha. A origem desse episódio explica-se pela modificação feita por Godofredo em um episódio da tradição galesa, a guerra de Arthur com o chefe irlandês Llwich, the Irishman. Transformando um obscuro chefe irlandês no imperador de Roma. Arthur teria considerado um insulto o tributo e assim parte para a conquista de Roma. A luta com o imperador ocorreu no outono, sendo que o imperador caiu por um golpe de lança "de uma mão desconhecida". Arthur ordenou que o corpo fosse enviado ao senado romano com a mensagem de que nenhum outro tributo seria pago pela Bretanha. Durante os preparativos para o avanço sobre Roma, ele recebe a notícia de que Modred, seu sobrinho deixado como regente, havia tomado a coroa e se ligara com a rainha Guinevere. A volta de Arthur levou à batalha de Camlann, onde ele e Modred morreram, sendo levado para Avalon e deixado a coroa para seu parente, Constantino. Guinevere, levada pelo desespero, fugiu de York para Caerleon, onde, dali em diante, levaria uma vida casta entre as freiras e acabaria por se ordenar. Godofredo não fala nada sobre a Távola Redonda ou a Busca pelo Santo Graal. Nem sobre as histórias de Lancelot ou Tristão. Sobre Merlin, dedicou o Livro VII da Historia às "Profecias de Merlin", onde as únicas profecias mesmo eram aquelas que qualquer escritor de 1130 poderia colocar na boca de um personagem do século VI. No entanto, as "Profecias" tiveram grande impacto, sendo inclusive editadas em separado. Alguns anos mais tarde, Godofredo escreve a narrativa em versos Life of Merlin (A Vida de Merlin) onde o bardo galês Taliesin faz um relato mais detalhado de como Arthur teria sido carregado para Avalon, descrita como ilha fantástica, habitado por nove damas, uma das quais sua irmã, a fada Morgana (cujo nome parece vir da forma como os bretões chamavam as fadas da água - Morgans).


Wace e Layamon


Wace, o Francês, nasceu em Jersey, então parte do feudo da Normandia, em 1100, e, escritor, dirigia sua obra "ao povo rico que possui rendas e moedas de prata, pois é para eles que os livros são feitos". Sua mentalidade era tipicamente francesa, cética e lúcida. A forma narrativa de Wace era mais cortês que Godofredo, eliminando detalhes desnecessários e diminuindo as atrocidades que Arthur cometia em relação aos pictos e escotos. Embora outros escritores e historiadores apenas insinuem que Guinevere não tivera filhos, Wace afirma isso categoricamente. No entanto, a única contribuição dele à lenda escrita foi a Távola Redonda, que dizia que já era famosa e que não fora invenção dele. A história de Arthur já havia sido contada em latim, galês e francês. No reinado de Ricardo Coração de Leão, entre os anos de 1189 e 1198, Layamon, um padre de Arley Regis, em Worcestershire, fez em versos a primeira apresentação de Arthur em língua inglesa, baseada na versão de Wace. Ele seguiu de perto o trabalho de Wace e, através dele, de Godofredo de Monmouth, apresentando Arthur como um herói poderoso que derrotou os saxões. Godofredo era galês ou bretão, Wace era francês, já Layamon era anglo-saxão, escrevendo na língua dos anglo-saxões, e seu entusiasmo pela destruição das hostes saxônicas era surpreendentes. A narrativa de Layamon era mais seca e rústica, mostrando toda a violência contida no texto, ao contrário de Wace. Também Layamon não demonstrava o ceticismo de Wace. Aceitava o sobrenatural e ainda acrescentava aos prodígios de Godofredo outros por conta própria. É estranho lembrar que a versão de Layamon surgiu quarenta anos mais tarde que a de Wace, no entanto, a deste último se apresenta mais bem acabada.

Avalon

O Túmulo de Arthur


Avalon, chamada de Avilion por Malory, surgiu pela primeira vez na história de Arthur através de Godofredo de Monmouth. Godofredo juntou uma miscelânea de tradições com relação à sobrevivência de Arthur e ao lugar de refúgio: tanto para britânicos, bretões ou galeses, o lugar é sempre um paraíso cercado de água, localizado na região costeira, que se chamava Avalon. E disse: "O renomado rei Arthur, gravemente ferido, foi levado para a ilha de Avalon, para a cura de suas feridas, onde entregou a coroa da Bretanha a seu parente Constantino, filho de Cador, duque da Cornualha, no ano de 542 do Nosso Senhor". Mais tarde, no livro Life of Merlin, Godofredo descreve o lugar como uma ilha fantástica, habitado por nove damas, uma das quais a sua irmã, a fada Morgana. Grande é a associação de Glastonbury com Avalon. A grande abadia de Glastonbury foi fundada no século V. A seu lado havia uma pequena igreja, muito antiga, de paredes de taipa, que se dizia ser o primeiro santuário construído na Bretanha, e, assim, associado a José de Arimatéia, que teria trazido o Santo Graal para a Bretanha. Em 1184, um incêndio destruiu a pequena igreja, bem como a maioria dos prédios da abadia. Um programa de reconstrução foi então iniciado por Henrique II, mas, como demandava somas intensas, era necessário alguma coisa para atrair peregrinos com suas bolsas. Giraldus Cambrensis, um galês de ascendência parcialmente normanda, produziu então, entre 1193 e 1199, um obra intitulada De Principis Instructione, na qual registra que Arthur teria sido um benfeitor da abadia e que teria sido na verdade enterrado nela, já que seu corpo fora encontrado em 1190. Jazia entre duas pirâmides de pedra que marcavam os locais de outros túmulos, a 5 metros de profundidade, envolvido em um tronco de árvore oco. Do lado de baixo do tronco que servia de caixão, havia uma pedra e abaixo dela uma cruz de chumbo na qual estavam gravadas as seguintes palavras em latim: "Aqui jaz enterrado o renomado rei Arthur com Guinevere, sua segunda esposa, na ilha de Avalon". Dois terços do caixão eram ocupados por um homem de tamanho incomum e o restante por ossos de uma mulher, juntamente com uma trança de cabelos loiros que virou pó ao ser tocada por um monge. A tal descoberta teve o sucesso que interessava e Glastonbury tornou-se uma atração turística. Godofredo de Monmouth dissera que Arthur fora levado embora, mortalmente ferido, para a ilha de Avalon. A partir do momento que os ossos de Arthur teria sido encontrados em Glastonbury, junto com a cruz funerária que dizia que ele teria sido enterrado em Avalon, Glastonbury tornou-se sempre Avalon. Guilherme de Malmesbury, em sua Gesta Regum Anglorum (Gesta do Rei dos Anglos), de 1125, apenas menciona o fato de os britânicos chamarem Glastonbury de Inis Witrin, a Ilha de Vidro. Caradoc de Lancafarn, em sua Life of Gildas, de 1136, repetiu que os britânicos a chamavam de Ynis Gutrin, Ilha de Vidro. Giraldus Cambrensis e Ralph, abade de Coggeshall, em sua Chronicon Anglicanum (Crônica Anglicana), foram os dois primeiros escritores a dizer que Glastonbury era Avalon.

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