Ciclo do Ulster e seu Herói Cuchulainn
A Irlanda celta era dividida em cinco províncias: Leinster, a leste; Munster, ao Sul, Mídhe, no centro; Connacht no oeste, e Ulster ao norte. Daquela região nos chegam as lendas e feitos de heróis como Cuchulainn, Conchobhar mac Nessa e Fergus mac Róich, poderosas mulheres como Macha, Maedbh e Fedelm, e a trágica história de amor de Deirdre dos Pesares. Menos divino do que o Ciclo Mitológico, o Ciclo do Ulster – também conhecido como Ciclo do Ramo Vermelho – tem seus primeiros registros por escrito datando do século VIII, e muitos fatos e personagens foram preservados também no folclore da Irlanda, da Ilha de Man e da Escócia. A magia é uma característica constante: humanos assumem a forma de animais e interagem com os divinos Tuatha de Danann. Os hábitos e costumes relatados fornecem um retrato bastante claro dos valores dos celtas da Irlanda: sociedades guerreiras em busca de prestígio e ascensão, mulheres e homens em paridade, riqueza representada pela posse de gado, heroísmo individual e irmandade tribal.Alguns dos textos mais importantes do Ciclo do Ulster são: “O Banquete de Bricriu”; “A Destruição da Pousada de Da Derga”; “A Doença de Cuchulainn e o Único Ciúme de Emer” e, principalmente, “O Roubo de Gado de Cooley” ("Táin Bó Cuailgne"), onde vemos a saga de Cuchulainn como o guerreiro irlandês por excelência.
Vide artigos anteriores sobre Épicos Clássicos Irlandeses
O Herói Cuchulainn
Um dos ciclos míticos celtas mais cheio de interesse, e no qual os seus protagonistas se transformam em heróis imortais, no sentido de que sobreviverão na tradição popular para sempre, tem lugar nos tempos de um legendário soberano que se supõe que desenvolveu as suas atividades pouco antes do início da nossa era.
O seu nome era Conchubar, e tinha-se erigido em rei do Ulster depois de ter tirado o trono a Fergus, anterior soberano do reino. Dado que ele se tinha servido de diversas estratagemas e enganos para conseguir os seus propósitos, os partidários de Fergus não demoraram em reagir e, para derrotar Conchubar, destruíram a capital do Ulster. No entanto, a descrição desta epopéia leva-nos a considerar a chegada à história das legendárias sagas de um dos heróis mais célebres da mitologia celta: trata-se de Cuchulainn. Ele travou crueis batalhas com as suas armas invencíveis e jurou sempre fidelidade ao rei do Ulster.
"O Dos Braços Compridos"
Cuchulainn tem muito em comum com os heróis clássicos, com o próprio Aquiles -destacado protagonista da Ilíada-, por exemplo.
O herói em questão nasceu da união entre um deus e uma mulher mortal e, assim, o seu pai foi a poderosa deidade Lugh, que podia chegar com os seus enormes braços -o termo Lugh significa "o dos compridos braços"- aos lugares mais afastados e recônditos. A mãe de Cuchulainn foi uma irmã do rei Conchubar, pelo qual este era o tio dele. O nome que impuseram ao herói ao nascer foi Setanta mas, quando ainda não tinha feito os sete anos, já deu provas duma força sobre-humana, pois matou um cão sangüinário e de poderosas mandíbulas, que até a essa altura ninguém tinha conseguido vencer.
O amo do terrível animal era um ferreiro que se gabava da ferocidade do seu cão até que, numa ocasião que convidou o rei Conchubar para um banquete, este levou consigo o seu jovem sobrinho, que matou ao até a essa altura invencível cão.
O ferreiro chamava-se Culann e, pelo mesmo motivo, a partir de então, passaram a denominar o rapaz Setanta Cuchulainn, conceito que significa "o cão de Culann".
Nascimento De Um Herói
Uma série de circunstância, façanhas, acontecimentos, ocorrerão, a partir de agora, ao jovem e recente herói Cuchulainn. E, no decurso da célebre epopéia, outros personagens - o valente lutador Crunn, a sua esposa Macha, os cavalheiros da Rama Vermelha - virão completar a série de aventuras sucedidas num tempo mítico, embora a narração se situe nos inícios da nossa era e num determinado lugar do condado do Ulster.
O relato explica que Cuchulainn nunca era vencido pelos seus inimigos porque, no fragor da batalha, quando a ira o dominava, tinha a propriedade de transformar a sua imagem física, devido ao fato de o seu corpo desprender grande valor coragem, o qual fazia parecer o herói como um ser terrível e temível.
Também em outra ocasião, o nosso herói matará três gigantes que, à sua força física, uniam a capacidade maléfica de utilizar certos poderes mágicos com os que venciam todos os seus oponentes. Os gigantes tinham desafiado os cavalheiros da Rama Vermelha e estes decidiram pedir ajuda a Cuchulainn, que, sem pensar duas vezes, se pôs da parte deles e venceu os gigantes.
Amado Por Belas Deusas
Era tanto o valor e a coragem de Cuchulainn, perante os seus inimigos, e aumentava tanto a sua fama de invencível de dia em dia que até os próprios deuses solicitaram a sua ajuda em várias ocasiões, para conseguir vencer outros deuses. Como saiu vitorioso o bando em que Cuchulainn lutava , este foi convidado a permanecer entre os vencedores; deram-lhe todas as classes de presentes e até se lhe permitiu corresponder ao amor solícito da deusa Fand. Mas, dado que Cuchulainn já estava casado com uma mulher mortal, decidiu abandonar a morada da bela deidade e regressar com os seus. A deusa Fand, não obstante, entregou ao herói armas poderosas que sempre lhe outorgariam a vitória perante os seus adversários, fossem estes deuses ou criaturas mortais.
A mulher de Cuchulainn era filha de um célebre e poderoso mago que, em princípio, se tinha negado ao casamento desta com aquele. Mas a moça, de nome Emer, era tão bela que o herói decidiu raptá-la; para isso derrubou o castelo mágico onde o seu pai a tinha encerrado, e matou-o e a todos os que o guardavam.
Embora se tratasse de lutar contra um mago e o castelo estivesse protegido com sortilégios e feitiços, o aguerrido herói Cuchulainn não se afastou dado que, anteriormente, ele tinha sido iniciado no mundo da taumaturgia por uma prestigiosa maga que tinha a sua morada na região de Alba (Escócia).
Antes de separar-se da sua habilidade, e uma vez que o herói Cuchulainn já conhecia perfeitamente a arte do encantamento, derrotou uma acerradíssima inimiga daquela: a belicosa guerreira amazona Aiffé.
A lenda explica que ambos os adversários mantiveram relações íntimas e que até, quando o herói abandonou aqueles territórios, deixou a amazona grávida.
O Touro Da Discórdia
No entanto, Cuchulainn alcançou a verdadeira dimensão de herói na refrega mais célebre de toda esta epopéia, isto é, na "Batalha de Cooley".
A intervenção do jovem herói foi definitiva para que o mítico "Touro de Cooly" fosse devolvido ao reino do Ulster; além disso, aqui consolidou definitivamente a sua hegemonia e ganhou para si o título de "Campeão dos Ulates".
Tudo sucedeu porque a cobiçosa Maeve - que era uma fada malévola, que reinava sobre as outras fadas, que mantinha atemorizadas todas as suas companheiras e que conhecia todos os sortilégios e conjuros - desposou o soberano duma região limítrofe do Ulster. Como presente de casamento recebeu do seu esposo um belo touro branco. Nenhum outro exemplar o igualava, salvo o touro negro que tinha o rei do Ulster. Maeve, que era muito rica, ofereceu ao soberano deste condado, isto é, a Conchubar, todos os bens pecuniários que lhe pedisse, em troca daquele animal tão belo e único. Mas todas as suas propostas foram rejeitadas e, então, a malvada Maeve decidiu roubar o touro do Ulster. E para lá se dirigiu com o seu exército, não sem antes evocar uma espécie de conjuro que paralisaria todos os guerreiros do seu oponente.
Protegido Por Deuses
No entanto, tais artes não fizeram efeito em Cuchulainn, dado que tinha por ascendente um deus e, quando o exército de Maeve se aproximava confiado aos confins do reinado de Conchubar, saiu-lhes ao caminho o mais temível e poderoso de todos os legendários heróis que havia no mundo da fábula.
Com as suas armas poderosas, com os seus poderes mágicos e com a sua coragem e força, Cuchulainn enfrentou todo o exército daquela fada má - já resulta curioso descobrir que nem todas as fadas eram boas - e, depois de crueis combates, acabou com todos os seus inimigos, que não puderam equilibrar os terríveis efeitos das armas que a deusa Fand lhe tinha dado. O touro roubado será restituído por Maeve ao reino do Ulster.
Mas algumas das cenas que sucedem na batalha fazem Cuchulainn chorar de dor e de pena.
É o caso que, com o exército adversário, viajava outro grande herói chamado Ferdia, célebre pelo seu arrojo e valentia e que ninguém tinha vencido. Cuchulainn e Ferdia eram amigos desde a infância e tinham-se prometido, em inumeráveis ocasiões, ajuda mútua. Nenhum queria lutar contra o outro mas a malvada Maeve conseguiu embebedar Ferdia e enganá-lo com fingidas promessas de amor, até que conseguiu ver enfrentados ambos os heróis.
Inicia-se uma dura e sangrenta luta corpo a corpo, na qual um dos dois corajosos jovens tem que morrer. Os dois são valentes e fortes, mas Cuchulainn tem mais experiência na luta e melhores armas e, embora ao princípio ambos os adversários tomassem aquilo como uma brincadeira e não se fizessem mal algum, no entanto, em breve mudou o ar do seu confronto e um tremendo golpe da espada mágica de Cuchulainn acabou com a vida do seu amigo da infância.
A morte de Ferdia foi considerada por Cuchulainn como uma perda irreparável para ele e, diz a lenda, que caiu de joelhos lá mesmo, e dos seus olhos brotaram lágrimas de arrependimento que regaram o corpo inerte do seu antigo camarada.
Lendas
No entanto, e embora o herói Cuchulainn tivesse um deus por ascendente, ele próprio não era imortal e a epopéia do seu combate contra as hostes da malévola Maeve prossegue até que chega a um trágico final. O caso é que ainda o herói do Ulster tem que lutar contra outros guerreiros poderosos, aos quais Maeve transferiu a sua magia e as suas más artes.
Entre estes destacará quem, com a sua ingente prole - segundo a lenda tinha vinte e sete filhos -, enfrenta Cuchulainn e lhe arrebata a sua lança mágica. Depois provoca-lhe graves feridas por onde brota muito sangue e o herói, que vê chegado o último momento para ele, decide atar-se com o seu cinto de couro a uma coluna para morrer em pé.
Conta o relato que o seu cavalo se afastou, daquele lugar, a todo o galope depois de o roçar com o seu focinho. Quanto a Emer, esposa do malogrado herói, morrerá desfeita em lágrimas sobre o cadáver de Cuchulainn.
Já à beira da morte, ainda conseguiu partir com a sua poderosa espada o aço do inimigo que se aproximava para lhe cortar a cabeça, pois existia esse bárbaro costume naquela época, conseguindo assim não morrer decapitado.
Houve outras sagas de aguerridos heróis entre os celtas, além de Cuchulainn. Por exemplo, a do guerreiro Finn que, segundo a narração legendária, foi achado num espesso bosque, ao pé de uma gigantesca árvore, pelo séquito de um mítico soberano -a sua mãe tinha-o abandonado quando era um recém-nascido- e era tal a sua beleza que lhe puseram o nome de Finn, palavra que significa "belo, belo".