domingo, 7 de março de 2010

A GALIZA

Iremos de agora em diante, falar tudo sobre a Galiza. A Galiza de outrora, a de ontem e a de hoje.
Posteriormente, dissertaremos sobre a Irlanda, Inglaterra, França, Bretanha, etc.
O artigo é bem longo, portanto será editado por partes e para esclarecimento, deverá ser lido a partir das publicações anteriores para as mais recentes, ou seja, de baixo para cima.


História da Galiza
O começo da história da Galiza fixa-se tradicionalmente ao redor de 19 a.C., quando o Império Romano logra anexar definitivamente os povos galaicos, -kallaikoi segundo o autor grego Estrabo-, denominando o seu território como Gallaecia -terra dos gallaeci. A conquista romana seria decisiva no terreno cultural, sendo a origem das atuais línguas galega e portuguesa.
Testemunhas arqueológicas certificam a sua ocupação humana já desde o Paleolítico Inferior. Estas populações foram parte na Idade do Bronze da área cultural atlántica.
A configuração como unidade territorial acontece quando com o imperador romano Diocleciano em 298 d.C. adquiriu a categoria de província consular -ampliando também o seu território.
Esta unidade territorial preserva-se com os suevos, quando em 409 d.C. o rei suevo Hermerico funda nela o primeiro reino da Galiza.
Até 1833 manteve-se como um reino. Desde 1981, a Galiza é organizada jurídica e administrativamente como uma Comunidade Autónoma dentro da Espanha.
Etimologia
A denominação deriva do topónimo Gallaecia. Com este nome os romanos identificavam a província do Império Romano que abarcava o terço da Península Ibérica situado ao norte do rio Douro e ao oeste do rio Pisuerga.
Ainda que nesta extensa área territorial conviviam grupos humanos assentados desde Neolítico, o nome procede dos celtas (conhecidos como “celtas de Urnenfelder” (‘campos de urnas'), um grupo de indo-europeus que se assentaram na península durante o período calcolítico (entre 2300 e 1800 a.C.) e posteriormente a partir do século IV a.C. (celtas da cultura Hallstat ou Sefes).
Os celtas aparecem pela primeira vez nos textos do historiador grego Hecateu de Mileto que em 517 a.C. se refere a eles com o nome de kéltis κέλτης (‘ocultos'). É possível que esse nome provenha da mitologia grega, na qual se identificava o povo celta como descendente de Celtus[1] transformando-se em celti (celtae) ao incorporar-se ao latim.
No entanto o termo celtae era muito genérico para identificar a grande variedade de assentamentos celtas em Europa, pelo que cedo começaram a ser classificados em função das suas línguas ou das deidades que veneravam. Desta forma nas ilhas Britânicas podiam-se encontrar celtas goidélicos e bretões entre outros clãs, enquanto os da península Ibérica seriam conhecidos como καλλαικouι (kallaikoi), tal como relata Estrabão no século I a.C..
Enquanto kallaikoi era apenas a denominação dos clãs celtas galaicos situados em torno da desembocadura do rio Douro, este termo acabou identificando a todos os do noroeste peninsular.[2] O motivo deve encontrar-se na sua localização, uma privilegiada zona de passagem fluvial e marítima que favoreceu a preeminência da populi (população) chamada Cale (atual Porto),[3] cujos habitantes já seriam chamados caleci ou gallaeci por Plínio. Isto derivaria depois nos etónimos Calecia ou Gallaecia (Galiza) ao norte e Porto Cale (Portugal) ao sul.[4]
A denominação do território consolida-se em 239 d.C. com a reforma administrativa empreendida por Diocleciano quando é criada a província Gallaeciae segregando-a da Tarraconense ao abarcar os conventus Bracarense, Asturiacense e Lucense.
O topónimo conservar-se-á inclusive em árabe: nos mapas e textos dos cronistas do Califado de Córdoba, aparecerá como Jalikiah, Yiliqui ou Yilliquiyya. Posteriormente derivaria em Galiza, e em francês, Galyce.
Em quanto à etimologia, a teoria mais consolidada (de Higino Martins, 1990) indica que Galiza procede da raiz indo-europeia kala (‘refúgio, abrigo'), que passou às línguas gaélicas como gall (mãe, terra), passando ao radical já latinizado Cale,[5] de cuja análise se identificam os significados de "pedra", "rocha" ou "duro" em coerência com a orografia granítica sobre a quais se assentavam estes clãs.




Pré-história: Gallaecia
Seguindo a periodização cronológica corrente, aborda-se este extenso período histórico começando pelas primeiras manifestações culturais do Neolítico na região (Oestriminios). Nesta época define-se a iconografia identificativa galaica que depois eclodiria com a chegada da cultura das Urnas de Vlenden-Bennghardt pela mão dos celtas (Kallaicoi) durante a Idade de Bronze e o Calcolítico. Finalmente, aborda-se a romanização desde os primeiros confrontos bélicos (romanos) até a conformação da hierarquia eclesiástica priscilianista no final do século IV.

Oestrimnios
Os primeiros antecedentes da posterior configuração territorial e cultural galaicas registam-se a partir do Neolítico. Depois do aparecimento do género Homo em África durante o Pleistoceno, terá lugar a transição entre as espécies Australopitecus e Sapiens ao longo de todo o Paleolítico. Na Europa, por sua vez e a partir de antecessores comuns ao Homo Sapiens desenvolve-se a espécie Neandertal que segundo as hipóteses dos paleo-antropólogos se extinguiu, há cerca de 30000 anos, pela superioridade numérica e organizativa do homem de Cromagnon ainda que possivelmente se dessem casos de hibridação;[6] portanto, o Homo Sapiens protagoniza em solitário a mudança progressiva de uma organização social nómade baseada no sistema de caça e recolecção para outra baseada na agricultura. Esta mudança favorece a criação de assentamentos mais estáveis e com eles o aparecimento de novas formas culturais.
Uma delas é o megalitismo, que na Europa se desenvolve desde o Neolítico até a Idade do Bronze caracterizando-se pela presença de (megálitos),[7] construções realizadas com pedras de grandes dimensões. À luz das datações arqueológicas[8] e síntese historiográficas[9] até a data, não se recomenda assumir como provado o começo desta nova cultura antes de 4300 a.C. tanto n Galiza como no norte de Portugal, onde se origina o megalitismo atlântico[10] ao estender-se por toda a fachada atlântica.[11] A cultura do “megalitismo atlântico” vive o seu apogeu peninsular entre 3000 a.C. e 2300 a.C. e manifesta-se de forma homogénea numa área que compreenderia o norte de Portugal, Galiza, Astúrias, Leão e Zamora de maneira que a sua área de implantação seria o precedente da futura Gallaecia.
Os megálitos que mais abundam são os sepulcros funerários, construções formadas geralmente por um túmulo[12] em torno de um dólmen[13] interior com ou sem corredor a princípio, no qual se depositavam os cadáveres e um enxoval funerário.[14] Estes dólmens encontram-se frequentemente agrupados em necrópoles situadas em planícies ou planaltos e proliferam sobretudo na vertente setentrional e ocidental da actual Galiza.
O grande número de dólmens[15] induzem a existência de uma população densa e dispersa que, segundo as análises arqueológicas, fazia uso de uma criação de gado primitiva baseada na criação de bois, porcos, cabras e ovelhas e uma agricultura de cereais e leguminosas pouco sofisticada, o que obrigar-lhes-ia a seguir dependentes das técnicas mesolíticas de caça e recolecta. A sociedade megalítica galaica não desenvolveu uma hierarquização social significativa, como demonstram os ascéticos uniformes dos sepulcros ou os enterros colectivos, nos quais abundam mais os utensílios de finalidade produtiva que os objectos de enfeite. Tratava-se de uma “sociedade igualitária, composta de pequenas comunidades, pouco belicosa e assentada de forma dispersa” no território. As suas características mais destacáveis seriam a sua surpreendente habilidade arquitectónica —o que revela uma grande capacidade de organização do grupo—, e sobretudo a sua capacidade de abstração e transcendência manifestada num profundo sentido religioso, constatável na grande quantidade de sepulcros. As gravuras encontradas nestes sepulcros descrevem uma “mitologia centrada na fecundidade e na morte”, emergindo a figura do celebrante ou mediador entre os deuses e os seres humanos.[16]
As tecnologias megalíticas começam a desaparecer com a chegada das técnicas metalúrgicas. No entanto a identidade cultural forjada no período megalítico não desaparecerá, pelo contrário continuará transmitindo-se no decorrer do terceiro ao primeiro milénio a.C., como demonstra a existência dos petróglifos, litografias realizadas em pedra granítica ao ar livre.
A homogeneidade técnica e temática desta expressão cultural permite definir a existência de um grupo galaico de arte rupestre caracterizado por uma temática abstracta[17] que ocupa a maior parte da superfície, rodeada por elementos de uma temática naturalista, geralmente zoomorfa e antropomorfa junto com elementos como armas, escudos e ídolos-cilindro.[18] Ainda que os elementos naturalistas são os que caracterizam e diferenciam a litografia pré-histórica galaica em frente aos seus equivalentes europeus, são os motivos abstractos —em especial labirintos, tramas geométricas e trisqueles— os que consolidar-se-ão na cultura castreja.






1 - Castro celta de Santa Trega (em A Guarda)













2 -Casa reconstruída de Santa Trega





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Referências
[1] Celtina, filha de Bretannus, apaixonou-se de Herácles e fugiram recusando voltar a este a não ser que a contivesse. De Celtus deriva o nome da etnia celta.
[2] Entre sessenta e sessenta e cinco clãs, entre eles os grovios (em territórios que hoje correspondem à região portuguesa do Baixo Minho), ártabros (Ferrol), astures(Astúrias), poemanos (Lugo), brácaros (Braga), cáporos (Iria Flavia), cuarquernos (Serra do Gerês) ou os celtae, nome que se reservava para os celtas de Brigantium.
[3]Desta aldeia Cale dizia Salústio no século I a.C. ser “civitas in” Gallaecia, datando o topónimo assim em pelo menos um século antes da reforma diocleciana.
[4] Segundo aponta Coelho da Silva (2000), já no Cronicon de Idácio afirma textualmente que Portu Cale está situado ad extremas sedes Gallaeciae estando separada da Lusitânia pelo rio Douro, Fluvius Dourus dividens (…)Gallaeciae et Lusitania.
[5]Palomar Lapesa (1957), Alberto Firmat (1966).
[6]A análise genética do esqueleto fóssil do menino do jazida do Abrigo do Lagar Velho em Portugal revelou que se tratava de uma mistura de Neandertal e Cromagnon
[7]Basicamente de três tipos: os círculos líticos ou cromeleques, os menires e os dólmens
[8]Entre outras Cronologia e periodização do fenómeno megalítico em Galiza e norte de Portugal à luz das datações por carbono 14 (Alonso Matthias e Belo Diéguez).
[9]Entre outras The Megalithic tombs of Western Iberia: Reflections on their origins, chronology and geographical distribution. Copenhague, 1999.
[10]Também a partir de 3000 a.C., começa uma segunda fase, denominada “megalitismo oriental (ou mediterrâneo)”, pela presença de tholoi, ao estender-se desde o norte de Portugal ao sudeste peninsular aparecendo cidades fortificadas a partir de 2600 a.C. (Castro de Vila Nova de São Pedro e Los Millares).
[11]chegando à Bretanha francesa em torno de 3800 a.C., atingindo a Irlanda e o sul da península escandinava a partir de 3500 a.C. até que se consolida em torno de 3000 a.C..
[12]Capa de terra e pedras, de 10 a 30 metros de diâmetro semelhante a um montículo.
[13]Construções ortostáticas.
[14]A maior parte destes sepulcros foram espoliados no século XIX pelo fidalgo Vázquez de Orxás, que obteve permissão do governo para procurar tesouros nas tumbas dos gentis galigrecos.
[15]Registados mais de 10.000, calcula-se que pôde ser mais de 20000.
[16]Entre outros: Die Megalithkultur in Galicien (Walter de Gruyter, Berlim – Nova York, 1990), História de Galiza (R. Villares, 2004), e Elements symbolico-funéraires dans lhe Mégalithisme galicien. (Révue Archéologique de l'Ouest, Rennes, 1992).
[17]Formas geométricas como círculos simples ou concêntricos, espirais, labirintos, cruzes de braços curvos e rectos, trisqueles. Alguns destes motivos geométricos aparecem na iconografia de culturas situadas em pontos tão afastados como a Ásia e América.
[18]Corpus Petroglyphorum Gallaeciae (1935, Ramón Sobrinho Buhigas).

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