Claudio Quintino (Crow)
Perfil
Nascido em São Paulo em 1969, Claudio Quintino (Crow) já na adolescência viu-se atraído pela mitologia e espiritualidade Celta.
Em 1992 apresentou sua primeira palestra sobre os elementos originalmente celtas encontrados na Wicca e a partir de então tornou-se uma referência nos círculos neo-pagãos brasileiros.
Escritor, autor de "O LIVRO DA MITOLOGIA CELTA" (2002) e "A Religião da Grande Deusa" (2000), Claudio Quintino (Crow) é um dos maiores especialistas em Espiritualidade Celta no Brasil, tendo seu trabalho reconhecido academicamente no Brasil e também no exterior.
Em suas visitas às terras celtas da Inglaterra e da Irlanda (1996 e 1999), conheceu de perto os lugares sagrados dos celtas. Nesse período, travou contato com importantes nomes do druidismo, como John Matthews - autor de dezenas de livros sobre espiritualidade celta - e Emma Restall Orr - escritora e líder da The Druid Network, maior organização druídica internacional. Graças à amizade que com eles desenvolveu, possibilitou suas visitas ao Brasil - primeiro Matthews, em 2001, e depois Emma, em 2002, possibilitando a difusão responsável do druidismo e da espiritualidade celta no Brasil. Atualmente é um dos principais nomes na divulgação do druidismo no Brasil, através de palestras e cursos (para saber mais sobre os cursos, clique aqui).
Seu vasto conhecimento e sua sensibilidade levaram Emma a escolhê-lo como representante da The Druid Network no Brasil, e hoje Claudio coordena as páginas em português no site da The Druid Network.
No Universo Acadêmico:
Apesar de não pertencer à Academia, o profundo conhecimento de Claudio sobre a cultura celta é reconhecido através de constantes convites para apresentar palestras em importantes universidades do Brasil, tendo apresentado seu trabalho em eventos marcantes da área, como:
"I Simpósio de Cultura Celta e Germânica no Brasil" (Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, 2004);
"I Simpósio de Estudos Irlandeses na América do Sul" (Universidade de São Paulo - USP, 2006);
"Semana de Educação de 2006 - Pluralidade e Transversalidade do Conhecimento" (Centro Universitário Nove de Julho - UNINOVE, 2006), entre outros.
É convidado com freqüência para apresentar cursos e palestras na Sociedade Brasileira de Cultura Inglesa e no Conselho Britânico no Brasil.
Perfil atualizado em: 01/05/2007
Websites:
http://www.claudiocrow.com.br/
http://www.heramagica.com.br/
Trabalhos publicados
O Livro da Mitologia Celta (Hi-Brasil Editora, São Paulo, 2002)
A Religião da grande Deusa (Gaia Editora, São Paulo, 2000)
Aradia: Evangelho das Bruxas (tradução para o português e comentários) (Madras Editora, São Paulo, 2000)
Entrevista
Entrevistadora: Emma Restall OrrData da entrevista: 6/6/2005
- Obrigado por aceitar a entrevista Claudio!
- É sempre um prazer e honra!
Aqui na Inglaterra e na Irlanda, muitos crêem que o druidismo se espalhou a partir daqui para as comunidades anglófonas na Australásia, América do Norte e África do Sul, levado pelos imigrantes. Contudo, no Brasil existe uma saudável comunidade druídica: pode nos dizer algo a respeito?
- O Brasil, embora originalmente uma colônia portuguesa, recebeu várias ondas de imigrantes de várias partes do globo. Como resultado, criamos o que costumamos chamar de caldeirão cultural, onde ingredientes dessas novas culturas são fervidos e misturados. Isso por si só faz do Brasil um pais muito tolerante, onde muitas espiritualidades diferentes convivem lado a lado harmoniosamente. Portanto, não foi difícil para o druidismo encontrar seguidores aqui.
Devo ressaltar, no entanto, que o druidismo não foi trazido por imigrantes - ao menos não por imigrantes "físicos"! Muitos membros da comunidade druídica aqui possuem origens diferentes mas viram-se atraídos pelo druidismo e suas crenças , independentemente de linhagem sangüínea. É a conexão mágica com a paisagem e com os ancestrais, tão importantes ao druidismo, que atrai as pessoas. Atualmente a comunidade druídica brasileira vem crescendo bastante, muitos livros têm sido publicados abordando o tema e alguns grupos conduzem rituais sazonais, públicos ou privados. O Druidismo está realmente florescendo.
- Quem ou o que o inspirou em sua exploração pessoal do druidismo?
- Eu sempre senti uma atração absolutamente inexplicável pela Irlanda e tudo o que fosse celta ... Uma coisa levou a outra, creio eu. Tive a oportunidade de visitar a Irlanda duas vezes e essa foi de fato uma experiência mágica - especialmente na primeira vez, em 1996, quando viajei por toda a Irlanda, bem ao estilo mochileiro... Claro que até então eu já tinha lido muito sobre cultura e espiritualidade celta, já trabalhava com isso tudo no Brasiltudo mais. Mais a principal inspiração veio logo depois de meu retorno, quando li um livro de uma autora inglesa que assina com um pseudônimo felino, se você entende o que eu quero dizer! Seu livro "Ritual" foi um divisor de águas, pois fez com que todos os meus trabalhos e estudos anteriores se unificassem.
Ahem, acho que esse é um de meus livros! (risos)
- Mas vamos em frente! Como instrutor de druidismo no Brasil, qual elemento do druidismo você considera como crucial?
- Costumo dizer que o druidismo está sendo construído sobre alguns pilares cruciais: a conexão com a paisagem e seus ritmos, a compreensão de nossas heranças pessoais e coletivas e a busca pela inspiração para viver a vida plenamente. Essas são a base de tudo o que eu faço por aqui - palestras, cursos, celebrações públicas e privadas. Pelo meu ponto de vista, a partir desses pontos qualquer pessoa pode entender e vivenciar o druidismo, seja onde for.
- Você pode nos contar um pouco a respeito dos livros que têm escrito e o que vem por aí? Você já escreveu algum livro em inglês ou eles estão todos no belo português do Brasil?
- Meu primeiro livro foi publicado em 2000 e se chama "A religião da grande deusa". Eu não gosto muito desse titulo por que não exprime completamente o seu conteúdo, mas ele foi um pedido da editora "por questões de marketing" ... O título original seria "Raízes e Sementes", uma tentativa de mostrar às pessoas as raízes da espiritualidade neo-pagã e a semente que carregam aqueles que a seguem. À época, a editora argumentou que esse título poderia ser facilmente confundido com um livre de jardinagem! (risos) Ao que eu respondi que, de certa forma, era de fato um livro de jardinagem, para que aqueles que o leiam possam florescer... Títulos à parte, tenho muito orgulho do livro, especialmente por que foi minha primeira empreitada como escritor.
Meu segundo livro, chamado "O Livro da Mitologia Celta" é um trabalho mais conciso e maduro. Ele começa com uma introdução sobre quem foram os celtas e como era sua espiritualidade - o druidismo. Seus treze capítulos são dedicados a deidades celtas, de Brighid a Ceridwen, do Dagda a Merlin. Meu objetivo ao escrevê-lo não foi apenas abordar a espiritualidade celta e seus deuses e deusas, mas também fazer o leitor entender que todos aqueles maravilhosos heróis, rainhas e guerreiros ainda vivem dentro de nós.
- Na internet obviamente não podemos ouvir esse tipo de coisa, mas eu me lembro de nosso primeiro encontro, quando fiquei totalmente encantada com seu sotaque: uma bela mistura de "brasileiro" e irlandês. O que na alma da Irlanda atraiu seu coração?
- Essa é uma pergunta que venho tentando responder nos últimos dez anos ou mais, sempre em vão! Quando fui à Irlanda pela primeira vez, não sabia exatamente o que estava procurando, ou ao menos se estava procurando alguma coisa. Mas depois de algum tempo por lá, entendi que o que eu estava procurando era algo ao mesmo tempo familiar e desconhecido, velho e novo. Seja o que for, eu acabei encontrando algo, e esse ‘algo' despertou minha alma. A partir de então, entendi que a paisagem - todas as paisagens - são sagradas, mas quando exploramos nossas paisagens internas e lhes damos vida, então - e só então - compartilhamos dessa sacralidade. Esse é, de longe, o souvenir mais precioso que eu trouxe da Irlanda e o que eu estimarei para sempre.
- E sobre Hy Brasil? Muitos nem imaginam que há um mito celta por trás do nome Brasil. Qual é sua visão sobre esse lugar mágico e sua importância como fonte de inspiração para você?
- A mística ilha de Hy Brasil era um forte elemento no imaginário europeu no final da Idade Média. Ela pode ser encontrada nos mapas dos mais renomados cartógrafos da época, como Angelo Dalorto. Para os que não estão familiarizados com as lendas celtas, pode parecer estranho que um mito celta da Irlanda possa ter se tornado popular em toda a Europa, mas não nos esqueçamos que a mais importante lenda do velho mundo também é celta em sua origem - A Saga do Rei Arthur e a busca do Graal têm profundas raízes nos mitos ancestrais galeses e irlandeses.
Em alguns manuscritos, Hí-Breasil (a "Ilha dos Abençoados") podia ser alcançada por um navegante irlandês que cruzasse o Atlântico rumo ao oeste, por vezes ao sudoeste. É exatamente isso que é preciso fazer para se chegar à América. Hí-Brasil é descrita como uma terra onde não há inverno, onde não há árvore que não de fruto e não há arbusto que não de flor. Para quem conhece o Brasil, essa descrição soa perturbadoramente familiar... até onde vejo, parece natural que o mito tenha se originado depois que navegantes celtas partiram das ilhas britânicas e chegaram a estas praias. Com o desenvolvimento desse mito, ele - bem como muitos outros mitos celtas - foram transmitidos a outras nações européias e, quando os navegantes portugueses alcançaram essas terras, deram-lhe o nome do paraíso sagrado celta. Como eu costumo brincar por aqui, os druidas da Grã-Bretanha desejam, quando morrerem, ir para Hí-Brasil, mas nós já moramos aqui!
- O ogham é um belo e poderoso aspecto da tradição irlandesa, usado por muitos na Grã-Bretanha. Há algumas das árvores do ogham no Brasil? Eu adoraria que você ou qualquer outra pessoa desenvolvesse um ogham brasileiro usando árvores nativas. Adoro a idéia de um ogham da floresta tropical.
- O Brasil é um pais muito vasto e há climas diferentes aqui, do semi-árido ao temperado. No sul, onde o tempo é frio, algumas árvores do ogham podem ser encontradas, tanto nativas quanto trazidas por imigrantes europeus, especialmente alemães e italianos. Mas a floresta tropical é tão rica em biodiversidade que teríamos que nos empenhar em um grande estudo para estabelecer correspondências que funcionem. Sei de algumas pessoas que têm tentado, com vários níveis de sucesso.
Mas a mais gritante coincidência é a maneira como alguns dos Primeiros Povos do Brasil chamam seus sacerdotes: "caraí" é uma palavra em guarani que significa "aquele que conhece as canções das árvores". Muito semelhante às origens da palavra druida: "aquele que têm o conhecimento das árvores". Impressionante, não?
- Há outros aspectos da tradição druídica norte-européia que você adaptou? Se sim, de que forma o fez para que essa prática seja relevante para o hemisfério sul e sua própria cultura?
- Como já dito, nós buscamos uma conexão com a terra e, dessa forma, todas as práticas druídicas - os festivais sazonais, por exemplo - são adaptadas à nossa realidade. Algumas pessoas tendem a manter a roda do ano assim como ela é praticada no hemisfério norte, enquanto outros simplesmente a invertem. Por minha experiência, posso dizer que ambas as formas funcionam - se você sabe o que está fazendo e as razões para tal - não há só um modo correto, nenhum "jeito único" para se fazer as coisas.
Contudo, é necessário um certo esforço para fazer as coisas funcionarem: é preciso conhecer a origem dos festivais, seus significados, sua evolução através dos tempos e como isso pode gerar uma nova percepção adaptada à nossa realidade - ou à de qualquer outro lugar.
Eu normalmente digo que o druidismo é uma religião britânica na origem, mas que deve se adaptar a novos ambientes, assim como fazemos quando nos mudamos para outro país - nos adaptando a um novo clima, uma nova linguagem, tudo.
- Nos EUA, é necessária uma constante conscientização para assegurar o respeito às tradições dos nativos americanos. No Brasil, como o druidismo interage com as tradições indígenas nativas sobreviventes?
- Quando mencionei os caraís, imagino que fica claro que tencionamos criar uma ponte entre tradições nativas - pois o druidismo é a tradição nativa britânica. Há um grupo muito ativo aqui chamado Nemeton Tabebuya - o nome combina a palavra gaulesa Nemeton, ‘bosque sagrado', e Tabebuya, o nome guarani para uma árvore nacional popularmente conhecida como ipê! Marcos Reis, um dos membros do Nemeton Tabebuya, é muito ligado à espiritualidade e aos mitos nativos, e nos oferece uma sólida ponte para nos conectarmos a eles.
- O quanto o ambientalismo e a destruição das paisagens virgens e florestas tropicais são parte de um diálogo com as culturas nativas? Você pode falar de seu próprio trabalho na área ambiental? O que outros druidas podem fazer para ajudar, no Brasil e em outras partes do mundo?
- Além de mostrar as pessoas em cursos e palestras o quão sérios são os danos que temos causado enquanto espécie, alguns membros estão profundamente envolvidos nas causas ambientalistas - oferecemos ajuda para muitas instituições que cuidam de animais silvestres ou cães e gatos abandonados através da arrecadação de fundos e da doação de materiais a essas instituições. Não podemos viver um druidismo só de rituais: temos que participar. Normalmente eu menciono a letra de uma das minhas bandas inglesas de pop preferidas: "Nós somos os motoristas e não passageiros na vida". Então, mãos no volante e façamos a diferença!
- Pelo que sei, há evidências arqueológicas de culturas ainda mais antigas no Brasil, incluindo as dos círculos de pedra. Você pode falar um pouco sobre as mais antigas tradições do Brasil?
- Para mim, a mais intrigante cultura destas terras é uma muito antiga, que desapareceu séculos antes da chegada da cultura tupi-guarani. Ela floresceu no norte do Brasil, mais precisamente na Ilha do Marajó. Sua cerâmica era ricamente decorada com motivos espirais e eles eram muito bons na confecção de jóias ornadas com padrões zoomórficos - para aqueles acostumados com a arte celta, isso soa familiar... Mas não estou afirmando nada... Fora isso, há afirmações discutíveis de que viajantes fenícios e vikings possam ter alcançado estas terras.
Uma coisa, contudo, é certa: pesquisas sérias comprovam que humanos se estabeleceram aqui antes do que normalmente se crê - ou nos impõem os antropólogos e arqueólogos americanos. E nós como druidas, temos o dever de honrar sua presença como os Primeiros Povos a trilhar estes caminhos, muito antes de nossa chegada.
- O que você espera do druidismo no Brasil para o futuro?
- Meu principal objetivo como alguém que trabalha com o druidismo não é promovê-lo ou gerar um grande número de praticantes; meu objetivo pessoal é pelos IDEAIS do Druidismo - aprender com o passado para criar um futuro melhor, ver o mundo como um Sistema Vivo e Sagrado e sendo parte dele por inteiro - para que esses ideais possam ser compreendidos e adotados pelo maior número possível de pessoas - independentemente da palavra que usem para denominá-lo.
Assim - e somente assim - nós poderemos aspirar por algo melhor não só para o Brasil como mas toda a comunidade da Terra.
- Claudio, agradeço pelo seu tempo e por compartilhar a visão da bela paisagem de seu lar. Que suas cançõess possam nos acordar a todos para cuidar com mais responsabilidade desse planeta sagrado. Minhas bênçãos!
- Costumo dizer que o druidismo está sendo construído sobre alguns pilares cruciais: a conexão com a paisagem e seus ritmos, a compreensão de nossas heranças pessoais e coletivas e a busca pela inspiração para viver a vida plenamente. Essas são a base de tudo o que eu faço por aqui - palestras, cursos, celebrações públicas e privadas. Pelo meu ponto de vista, a partir desses pontos qualquer pessoa pode entender e vivenciar o druidismo, seja onde for.
- Você pode nos contar um pouco a respeito dos livros que têm escrito e o que vem por aí? Você já escreveu algum livro em inglês ou eles estão todos no belo português do Brasil?
- Meu primeiro livro foi publicado em 2000 e se chama "A religião da grande deusa". Eu não gosto muito desse titulo por que não exprime completamente o seu conteúdo, mas ele foi um pedido da editora "por questões de marketing" ... O título original seria "Raízes e Sementes", uma tentativa de mostrar às pessoas as raízes da espiritualidade neo-pagã e a semente que carregam aqueles que a seguem. À época, a editora argumentou que esse título poderia ser facilmente confundido com um livre de jardinagem! (risos) Ao que eu respondi que, de certa forma, era de fato um livro de jardinagem, para que aqueles que o leiam possam florescer... Títulos à parte, tenho muito orgulho do livro, especialmente por que foi minha primeira empreitada como escritor.
Meu segundo livro, chamado "O Livro da Mitologia Celta" é um trabalho mais conciso e maduro. Ele começa com uma introdução sobre quem foram os celtas e como era sua espiritualidade - o druidismo. Seus treze capítulos são dedicados a deidades celtas, de Brighid a Ceridwen, do Dagda a Merlin. Meu objetivo ao escrevê-lo não foi apenas abordar a espiritualidade celta e seus deuses e deusas, mas também fazer o leitor entender que todos aqueles maravilhosos heróis, rainhas e guerreiros ainda vivem dentro de nós.
- Na internet obviamente não podemos ouvir esse tipo de coisa, mas eu me lembro de nosso primeiro encontro, quando fiquei totalmente encantada com seu sotaque: uma bela mistura de "brasileiro" e irlandês. O que na alma da Irlanda atraiu seu coração?
- Essa é uma pergunta que venho tentando responder nos últimos dez anos ou mais, sempre em vão! Quando fui à Irlanda pela primeira vez, não sabia exatamente o que estava procurando, ou ao menos se estava procurando alguma coisa. Mas depois de algum tempo por lá, entendi que o que eu estava procurando era algo ao mesmo tempo familiar e desconhecido, velho e novo. Seja o que for, eu acabei encontrando algo, e esse ‘algo' despertou minha alma. A partir de então, entendi que a paisagem - todas as paisagens - são sagradas, mas quando exploramos nossas paisagens internas e lhes damos vida, então - e só então - compartilhamos dessa sacralidade. Esse é, de longe, o souvenir mais precioso que eu trouxe da Irlanda e o que eu estimarei para sempre.
- E sobre Hy Brasil? Muitos nem imaginam que há um mito celta por trás do nome Brasil. Qual é sua visão sobre esse lugar mágico e sua importância como fonte de inspiração para você?
- A mística ilha de Hy Brasil era um forte elemento no imaginário europeu no final da Idade Média. Ela pode ser encontrada nos mapas dos mais renomados cartógrafos da época, como Angelo Dalorto. Para os que não estão familiarizados com as lendas celtas, pode parecer estranho que um mito celta da Irlanda possa ter se tornado popular em toda a Europa, mas não nos esqueçamos que a mais importante lenda do velho mundo também é celta em sua origem - A Saga do Rei Arthur e a busca do Graal têm profundas raízes nos mitos ancestrais galeses e irlandeses.
Em alguns manuscritos, Hí-Breasil (a "Ilha dos Abençoados") podia ser alcançada por um navegante irlandês que cruzasse o Atlântico rumo ao oeste, por vezes ao sudoeste. É exatamente isso que é preciso fazer para se chegar à América. Hí-Brasil é descrita como uma terra onde não há inverno, onde não há árvore que não de fruto e não há arbusto que não de flor. Para quem conhece o Brasil, essa descrição soa perturbadoramente familiar... até onde vejo, parece natural que o mito tenha se originado depois que navegantes celtas partiram das ilhas britânicas e chegaram a estas praias. Com o desenvolvimento desse mito, ele - bem como muitos outros mitos celtas - foram transmitidos a outras nações européias e, quando os navegantes portugueses alcançaram essas terras, deram-lhe o nome do paraíso sagrado celta. Como eu costumo brincar por aqui, os druidas da Grã-Bretanha desejam, quando morrerem, ir para Hí-Brasil, mas nós já moramos aqui!
- O ogham é um belo e poderoso aspecto da tradição irlandesa, usado por muitos na Grã-Bretanha. Há algumas das árvores do ogham no Brasil? Eu adoraria que você ou qualquer outra pessoa desenvolvesse um ogham brasileiro usando árvores nativas. Adoro a idéia de um ogham da floresta tropical.
- O Brasil é um pais muito vasto e há climas diferentes aqui, do semi-árido ao temperado. No sul, onde o tempo é frio, algumas árvores do ogham podem ser encontradas, tanto nativas quanto trazidas por imigrantes europeus, especialmente alemães e italianos. Mas a floresta tropical é tão rica em biodiversidade que teríamos que nos empenhar em um grande estudo para estabelecer correspondências que funcionem. Sei de algumas pessoas que têm tentado, com vários níveis de sucesso.
Mas a mais gritante coincidência é a maneira como alguns dos Primeiros Povos do Brasil chamam seus sacerdotes: "caraí" é uma palavra em guarani que significa "aquele que conhece as canções das árvores". Muito semelhante às origens da palavra druida: "aquele que têm o conhecimento das árvores". Impressionante, não?
- Há outros aspectos da tradição druídica norte-européia que você adaptou? Se sim, de que forma o fez para que essa prática seja relevante para o hemisfério sul e sua própria cultura?
- Como já dito, nós buscamos uma conexão com a terra e, dessa forma, todas as práticas druídicas - os festivais sazonais, por exemplo - são adaptadas à nossa realidade. Algumas pessoas tendem a manter a roda do ano assim como ela é praticada no hemisfério norte, enquanto outros simplesmente a invertem. Por minha experiência, posso dizer que ambas as formas funcionam - se você sabe o que está fazendo e as razões para tal - não há só um modo correto, nenhum "jeito único" para se fazer as coisas.
Contudo, é necessário um certo esforço para fazer as coisas funcionarem: é preciso conhecer a origem dos festivais, seus significados, sua evolução através dos tempos e como isso pode gerar uma nova percepção adaptada à nossa realidade - ou à de qualquer outro lugar.
Eu normalmente digo que o druidismo é uma religião britânica na origem, mas que deve se adaptar a novos ambientes, assim como fazemos quando nos mudamos para outro país - nos adaptando a um novo clima, uma nova linguagem, tudo.
- Nos EUA, é necessária uma constante conscientização para assegurar o respeito às tradições dos nativos americanos. No Brasil, como o druidismo interage com as tradições indígenas nativas sobreviventes?
- Quando mencionei os caraís, imagino que fica claro que tencionamos criar uma ponte entre tradições nativas - pois o druidismo é a tradição nativa britânica. Há um grupo muito ativo aqui chamado Nemeton Tabebuya - o nome combina a palavra gaulesa Nemeton, ‘bosque sagrado', e Tabebuya, o nome guarani para uma árvore nacional popularmente conhecida como ipê! Marcos Reis, um dos membros do Nemeton Tabebuya, é muito ligado à espiritualidade e aos mitos nativos, e nos oferece uma sólida ponte para nos conectarmos a eles.
- O quanto o ambientalismo e a destruição das paisagens virgens e florestas tropicais são parte de um diálogo com as culturas nativas? Você pode falar de seu próprio trabalho na área ambiental? O que outros druidas podem fazer para ajudar, no Brasil e em outras partes do mundo?
- Além de mostrar as pessoas em cursos e palestras o quão sérios são os danos que temos causado enquanto espécie, alguns membros estão profundamente envolvidos nas causas ambientalistas - oferecemos ajuda para muitas instituições que cuidam de animais silvestres ou cães e gatos abandonados através da arrecadação de fundos e da doação de materiais a essas instituições. Não podemos viver um druidismo só de rituais: temos que participar. Normalmente eu menciono a letra de uma das minhas bandas inglesas de pop preferidas: "Nós somos os motoristas e não passageiros na vida". Então, mãos no volante e façamos a diferença!
- Pelo que sei, há evidências arqueológicas de culturas ainda mais antigas no Brasil, incluindo as dos círculos de pedra. Você pode falar um pouco sobre as mais antigas tradições do Brasil?
- Para mim, a mais intrigante cultura destas terras é uma muito antiga, que desapareceu séculos antes da chegada da cultura tupi-guarani. Ela floresceu no norte do Brasil, mais precisamente na Ilha do Marajó. Sua cerâmica era ricamente decorada com motivos espirais e eles eram muito bons na confecção de jóias ornadas com padrões zoomórficos - para aqueles acostumados com a arte celta, isso soa familiar... Mas não estou afirmando nada... Fora isso, há afirmações discutíveis de que viajantes fenícios e vikings possam ter alcançado estas terras.
Uma coisa, contudo, é certa: pesquisas sérias comprovam que humanos se estabeleceram aqui antes do que normalmente se crê - ou nos impõem os antropólogos e arqueólogos americanos. E nós como druidas, temos o dever de honrar sua presença como os Primeiros Povos a trilhar estes caminhos, muito antes de nossa chegada.
- O que você espera do druidismo no Brasil para o futuro?
- Meu principal objetivo como alguém que trabalha com o druidismo não é promovê-lo ou gerar um grande número de praticantes; meu objetivo pessoal é pelos IDEAIS do Druidismo - aprender com o passado para criar um futuro melhor, ver o mundo como um Sistema Vivo e Sagrado e sendo parte dele por inteiro - para que esses ideais possam ser compreendidos e adotados pelo maior número possível de pessoas - independentemente da palavra que usem para denominá-lo.
Assim - e somente assim - nós poderemos aspirar por algo melhor não só para o Brasil como mas toda a comunidade da Terra.
- Claudio, agradeço pelo seu tempo e por compartilhar a visão da bela paisagem de seu lar. Que suas cançõess possam nos acordar a todos para cuidar com mais responsabilidade desse planeta sagrado. Minhas bênçãos!
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