quinta-feira, 6 de agosto de 2009

REI ARHUR, O PRINCIPAL MITO DO OCIDENTE




O pensar ocidental está permeado pelas lendas arthurianas: mesmo que indiretamente, as figuras do Rei Arthur, de Merlin, o Mago, de Morgana e de Guinevere manifestam-se com inegável freqüência – e por vezes imensa profundidade – nos arquétipos, figuras históricas, lendas e mitos das terras outrora ocupadas pelos celtas e também nas que viriam a sofrer a influência européia após as navegações. E poucas pessoas percebem o quanto há de celta nessas figuras supostamente medievais.
A literatura arthuriana se desenvolve na Idade Média, entre os séculos IX e XI, num eixo fixo entre Grã-Bretanha, França e Inglaterra. Dessas terras nos chegam os relatos dos feitos de um rei sagrado e seu valoroso grupo de nobres guerreiros, donzelas puras e poderosos senhores e senhoras da magia. Relegados em nossos tempos à condição de mitos juvenis, as sagas do Rei Arthur (chamadas em seu coletivo de "Arthuriana") são, na verdade, sobrevivências de antigas lendas celtas muito anteriores – fortes demais para desaparecerem mesmo depois do declínio da cultura celta.
A começar pelo próprio Arthur. Como costuma acontecer com personagens mitológicos, ele tem uma parcela de historicidade que, com o constante recontar de seus feitos, é revestido na magia e grandiosidade simbólica dos mitos. O Arthur histórico nunca foi rei: descrito como um "Dux Bellorum" – um líder de guerra, ou seja, um comandante, um general – Arthur defendeu a Grã-Bretanha dos invasores anglo-saxões. Podemos especular que se tratava de uma liderança carismática, que fez brotar nos seus comandados a esperança de um futuro melhor, longe da dominação romana e livre dos invasores germânicos.
Como costuma ocorrer com os mortais, porém, o Arthur histórico um dia morreu. Mas os mitos jamais morrem – surgem então as lendas que dão conta que Arthur – agora elevado à condição de Rei – na verdade não morreu, mas jaz adormecido numa caverna (ou em Avalon, o que em termos celtas é praticamente a mesma coisa) apenas aguardando o momento em que as terras da Grã-Bretanha sejam ameaçadas por invasores – ocasião em que o Rei Arthur se erguerá novamente e, acompanhado por seus nobres guerreiros, defenderá como sempre a ilha sagrada da Grã-Bretanha.

Essa lenda medieval ecoa diretamente uma lenda celta anterior, preservada na literatura do País de Gales, que narra como um herói chamado Bendigeidvran – Bran, o Abençoado – liderava um grupo de nobres guerreiros que defendiam a Grã-Bretanha de invasores. Certa feita, Bran é mortalmente ferido num combate, e para prolongar um pouco mais sua estada entre seus companheiros, passa instruções para que sua cabeça fosse cortada, mantendo-o vivo por algum tempo mais (os celtas acreditavam que a cabeça é a morada da alma). Assim é feito, e durante o período que se segue Bran conduz seus companheiros por jornadas maravilhosas ao Outro Mundo, até que é chegado o momento de ele (ou sua cabeça) ser sepultado. Mais uma vez ele passa as instruções: sua cabeça deve ser sepultada sob a Colina Branca, às margens de um determinado rio no Sudeste da Grã-Bretanha, com o rosto voltado para o leste. Dessa forma, o espírito de Bran estaria sempre ali, garantindo proteção sempre que a Ilha fosse ameaçada por invasores.
A Colina Branca é justamente o local onde séculos mais tarde foi erguida a Torre de Londres.
Um visitante moderno àquele edifício histórico provavelmente escutará de um guia ou dos simpáticos Beefeaters que há uma lenda que afirma que, enquanto houverem corvos no alto da Torre de Londres, as terras da Grã-Bretanha estarão à salvo de invasores. A semelhança com o mito de Arthur é gritante. Um detalhe, porém, atesta a capacidade de sobrevivência das lendas celtas: Bran - o nome do herói mítico cuja cabeça teria sido sepultada sob a Colina Branca, onde hoje grasnam os corvos no alto da Torre de Londres, significa, literalmente, "corvo"...
A mitologia celta da Irlanda também contribuiu com diversos elementos que enriquecem as lendas de Arthur. A Irlanda também tem seu líder divino que conduz um grupo de guerreiros nobres e poderosos: Fionn MacCumhaill é o líder dos intrépidos Fianna, cuja destreza, honra e sabedoria faz dese grupo de guerreiros os precursores dos Cavaleiros da Távola Redonda arthurianos. Em algumas versões, Fionn também 'morre' - mas na verdade aguarda o momento certo de retornar para salvar a Irlanda.
Como na Irlanda mito e história são uma só coisa, o próprio nome de Arthur parece devirar de um rei histórico chamado Art mac Cuinn, filho do grande Rei Conn "das Cem Batalhas" - primeiro Rei de Tara, a Colina Sagrada e centro espiritual da Irlanda. Os temas se mesclam deliciosamente, pois numa bela lenda chamada Báile in Scáil" o Rei Conn tem uma visão - uma verdadeira jornada mística ao Outro Mundo - na qual recebe do poderoso Lugh um Cálice que lhe conferia a Soberania sobre as terras irlandesas.
É evidente que esse cálice inspirou o graal das lendas medievais arthurianas.
A existência de mitos celtas que afirma que um rei divino sempre estaria pronto para retornar e proteger seu povo certamente facilitou a disseminação do cristianismo por aquelas terras, e reflexos dessa mitologia foram acoplados também a outros personagens históricos bem mais recentes – como o do Rei português Dom Sebastião, desaparecido na histórica batalha de Alcáçer Quibir. Como o corpo do rei jamais foi encontrado, restou entre suas tropas a esperança de que Dom Sebastião poderia retornar a qualquer momento. Os meses se tornaram anos, que por sua vez se tornaram décadas e séculos, e Dom Sebastião ainda está por retornar. Por mais que alguns possam julgar irracional crer que um rei morto há mais de cinco séculos possa ainda estar vivo, o mito do Sebastianismo é uma realidade ainda hoje manifesta na cultura tanto de Portugal como em algumas tradições do Brasil colonial. E em pleno século XIX, quando uma incomum neblina desceu sobre Lisboa, houve grande movimentação da população que acorreu à praia, na esperança de ver a nau de Dom Sebastião retornando do outro mundo.
O Retorno do Rei Mítico também permeia a vida e as lendas do rei germânico Frederico Barbarossa e de outras personagens que, por seus feitos grandiosos, despertam no inconsciente coletivo a memória ancestral de poderosos temas presentes nas lendas celtas. Podemos dizer que Dom Sebastião, Barbarossa, Rei Arthur, Lugh, Fionn MacCumhaill e Bran, o Abençoado são todos e cada um deles manifestações desses arquétipos profundos do pensamento ocidental que os celtas tão bem retratavam e preservavam em suas lendas, transmitidas oralmente nas cortes dos reis celtas pelos bardos, e posteriormente reinventadas e adaptadas pelos menestréis e trovadores medievais, para serem novamente resgatadas pelos druidas modernos em sua busca pela compreensão da Alma Humana.

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