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domingo, 4 de julho de 2010

UM POUCO SOBRE A IRLANDA




Panorâmica

A Ilha da Irlanda é conhecida há muito como Ilha Esmeralda, por ser muito verde devido à chuva.

Cerca de 80% do território de 85 mil quilômetros quadrados corresponde à República da Irlanda (declarada em 1948), e o restante forma a


Irlanda do Norte, que faz parte do Reino Unido.

Enquanto este é conhecido por suas cidades, a Irlanda é conhecida por seu campo. Fotos de pequenos chalés brancos com paredes de pedra recortadas, ovelhas brancas em pastos montanhosos e irlandeses felizes, tocando rabeca nos pubs do interior, abundam nas brochuras turísticas. Mas há muito mais na Irlanda do que as cenas campestres sentimentais.

A economia do país tem sido uma das mais rápidas em crescimento por um longo período e uma das mais saudáveis na Europa, dando à região o apelido de Tigre Celta.
A riqueza natural, material e intelectual do país está por toda parte.
Climas de sonho, em cenários esfumaçados. A Irlanda é assim. A culpa é da luz macia, avessa a contornos nítidos. Não que falte cor ao país. Pelo contrário, ela está presente no verde dos prados, na exuberância das flores, nas fachadinhas em tons de rosa e amarelo, no bege da carneirada, no vermelho da cabeleira das meninas sardentas. Mas quando se vê a lua cheia nascer entre as nuvens, nas ruínas de um castelo roído pelo tempo, é impossível deixar de pensar que a beleza deste país é como a daquelas mulheres que mais sugerem do que exibem.

A Irlanda é uma descoberta. E que descoberta!

A ilha mágica


Nada poderia ser mais diferente de uma nação nova como o Brasil do que um país que conheceu seu auge, em poder e influência, durante a Idade Média. É o caso da Irlanda, onde cada pedrinha tem 1500 anos de tradição.

Durante a Alta Idade Média (até por volta do ano 1200), os mosteiros e abadias irlandeses ficaram famosos em toda a Europa, como centros onde se louvava a Deus com mais capricho até do que em Roma. Seus restos estão hoje por toda a parte, entre vales encobertos por farrapos de névoa e montanhas perdidas em brumas, ainda mais intrigantes quando ao lado se ergue um cemitério meio abandonado, cheio de lápides de pedra e cruzes celtas desalinhadas.
É, a Irlanda tem clima. É fácil descobrir por que ela deu origem a uma das mitologias mais ricas da Europa. Foi dali que vieram as histórias das fadas que voam, dos duendes que carregam potes de ouro, dos espíritos femininos que trazem desgraça a quem os vê nas noites sem lua.

Muitos desses contos vêm do tempo dos celtas, os primeiros habitantes da Irlanda, que legaram sua língua, seus bardos e seu talento para contar histórias. Deixaram, também, muitos vestígios de sua civilização, sob a forma de monumentos megalíticos, como menires iguais aos de Asterix, círculos de pedra como o de Stonehenge e dólmens em formato de mesa, que na origem eram homenagens aos mortos e hoje viraram centros de peregrinação, visitados por místicos de todos os quadrantes.

O melhor lugar para ver esses monumentos de pedra são as partes mais desabitadas do litoral oeste irlandês, sobretudo as deslumbrantes penínsulas de Connemara e Dingle, onde até hoje se fala mais gaélico do que inglês.
Diz-se que a Irlanda também deve aos celtas outra de suas grandes qualidades: o ouvido musical impressionante. A música que se faz no país tem basicamente duas vertentes, bem diferentes entre si. A mais familiar tem ritmo vigoroso, é conduzida por um violino endiabrado que parece fundo musical de desenho animado e basta ouvi-la para saber de onde veio a música country americana.

A outra é aquela música esfumaçada e etérea popularizada pela cantora Enya, que adora alardear suas raízes celtas. E há ainda o bom o e velho rock'n'roll, que na Irlanda gerou astros como o U2, Sinead O'Connor e Van Morrison, sem falar no pop melosinho dos Cranberries.
Mas não é só. Quem explorar a parte central da Irlanda, às margens do Rio Shannon, vai até enjoar de tanto ver castelos e torres meio arruinadas, que pontilham o verde irlandês com suas linhas austeras, manchadas pelo musgo dos séculos. Nada a ver com o esplendor dos castelos franceses: a Irlanda não é dada a rendas ou fricotes - e lá é mais fácil pensar em armaduras e lutas com invasores vikings do que em perucas e minuetos da corte.

Nas muralhas do castelo de Bunratty, por exemplo, nas redondezas da cidade de Limerick (hoje transformado numa espécie de medievalândia, com direito a banquete feudal, recepcionistas em trajes típicos e aldeia de época), ainda dá para ver os pontos por onde os antigos barões se deleitavam em derramar óleo fervente na cabeça dos bárbaros invasores.
Sim, os irlandeses eram briguentos, e esse foi um dos motivos pelo qual o país foi ficando para trás na história, até estabelecer-se como a mais pobre das nações européias - um triste celeiro de mão-de-obra barata. A mais danosa de todas as brigas foi a que separou, ao longo dos séculos, católicos e protestantes.

Por menos que se saiba sobre a Irlanda, de uma coisa todo mundo já ouviu falar: o IRA, ou Irish Republican Army, organização armada terrorista que vive disparando bombas pela ilha toda, certo? Errado.

Primeiro, porque faz tempo que o IRA não dispara um único estalinho. Segundo, porque eles não atuam na República da Irlanda - ou seja, o pedaço da Irlanda que é independente e tem a cidade de Dublin por capital.

O IRA só atua (e hoje, felizmente, pouco) na Irlanda do Norte, o pedacinho do território irlandês que ainda pertence à Inglaterra e cuja capital é Belfast, tão separado da República da Irlanda quanto o Paraguai da Argentina.

Inimigo no quintal

Para entender direito o IRA, é preciso recuar séculos na história, até a época em que São Patrício converteu ao cristianismo os reis celtas da Irlanda, usando o trevo para explicar o inexplicável - ou seja, o mistério da Santíssima Trindade, dogma da igreja católica que reza que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são três, mas na verdade não passam de um só.

Desde que São Patrício realizou esse pequeno milagre, no século 5, a Irlanda adotou o trevo como símbolo nacional e se tornou um caso severo de catolicismo agudo - tão agudo que, até três anos atrás, ainda não tinha divórcio.

A questão religiosa passou a ter importância por causa dos ingleses, que invadiram a Irlanda lá pelo ano 1200.

No começo, todos eram católicos e o domínio inglês nem era tão feroz assim. Mas, quando o rei Henrique VIII e sua filha Elizabeth I transformaram a Inglaterra num império anglicano, a questão do catolicismo esquentou.

Para os ingleses, a Irlanda católica virou uma espécie de inimigo no quintal de casa, sempre pronta a se aliar a suas maiores rivais, as também católicas Espanha e França. Neutralizá-la virou questão de honra - e, com isso, as terras dos católicos irlandeses foram desapropriadas e seus proprietários, substituídos por protestantes ingleses. E não só: católicos foram proibidos de exercer a religião, de ingressar no exército e até de freqüentar escolas - tudo à custa de uma repressão cruel.
Enquanto os católicos empobreciam, os protestantes prosperavam. Concentrados no norte do país, eram tão bem tratados por Londres que a região logo se tornou a mais próspera e industrializada da Irlanda.

Em meados do século passado, quando até os próprios ingleses se deram conta de que era preciso dar autonomia à Irlanda, quem mais esperneou foi a minoria protestante nortista. Tanto, que conseguiu retardar a independência irlandesa em pelo menos 40 anos, dando margem ao surgimento do IRA, uma organização paramilitar que visava justamente apressar a independência do país.

O tigre celta

Quando ela veio, em 1949, o norte simplesmente se recusou a se separar, e desde então o IRA vem lutando para reunificar a Irlanda. Em linguagem local, toda essa confusão é conhecida pela expressão "The Troubles", ou "O Problema" - uma encrenca que gerou mortes, injustiças e um bom números de filmes, como Em Nome do Pai e Traídos pelo Desejo (assista, se quiser saber mais sobre as questões políticas da Irlanda).
Hoje, os Troubles estão sob controle, embora ninguém possa garantir que isso vá durar para sempre. Um dos motivos é a fase de progresso sem precedentes que a Irlanda atravessa, em decorrência da chuva de eurodólares derramada pela Comunidade Européia. O país inteiro está em reforma.

Nas estradas, é difícil dirigir por mais de uma hora sem encontrar obras de recuperação. Depois de cinco anos crescendo a taxas de 9% ao ano, a economia irlandesa anda tão bem que o país ganhou o apelido de Celtic Tiger, à semelhança dos Tigres Asiáticos.

O salto para a frente é decorrência da indústria de telecomunicações e alta tecnologia: a Irlanda é hoje o segundo maior exportador de softwares do mundo, perdendo só para os Estados Unidos. E é por isso que, de reserva de mão-de-obra, passou a atrair imigrantes, a ponto de achar uma casa para alugar em Dublin ser hoje tarefa para dois a três meses.
Sorte, porque isso vem tornando Dublin uma cidade cosmopolita, onde se pode ouvir línguas de toda a Europa, incluindo português com sotaque lisboeta. A cidade, que começou como uma aldeola pantanosa fundada por invasores vikings, foi ganhando em graça ao longo dos séculos e hoje tem muitos monumentos históricos e a fama de possuir algo como 1000 pubs e um número parecido de livrarias.

Essa influência literária pode ser considerada um fruto da gigantesca biblioteca do Trinity College, a antiquíssima universidade local, que tem mais de três milhões de volumes. É quase um museu inteiro só de livros, e que qualquer um pode visitar.

Cortada ao meio pelo Rio Liffey, Dublin é mais elegante ao sul e mais boêmia ao norte, onde ficam a sede da cervejaria Guinness e a ex-sede da destilaria Jameson, a mais famosa marca de Irish whiskey.
Mas, apesar desses ícones, a cidade preferiu eleger como seu símbolo uma vendedora ambulante de peixes do século passado, chamada Molly Malone, que ganhou até estátua na rua das butiques chiques, a Grafton Street.

Molly foi homenageada em trajes tão sumários que ganhou a alcunha de tart with the cart (algo como "a piranha do carrinho").

Outros monumentos famosos da cidade também têm apelido, como a ponte Ha'penny (de half penny, meio centavo, que era o preço do pedágio), que ganhou o cognome shiver on the river (ou 'arrepio no rio') porque chacoalha um bocado.
Se você está achando os irlandeses irreverentes, saiba que eles são mesmo. Quase todos pertencem àquela estirpe de gente que perde o amigo, mas não perde a piada - e muito se orgulha disso.
O amor irlandês pelas frases de efeito, que tem sua expressão máxima no escritor Oscar Wilde ("experiência é o nome que damos aos nossos erros", escreveu ele certa vez), é tanto que eles inventaram até uma mitologia a esse respeito.
Diz-se que quem beijar a Pedra de Blarney (uma pedra mesmo, que fica no castelo do mesmo nome, perto da cidade de Cork) ganha dos deuses o gift of the gab, ou o dom da conversação.
O tal beijo obriga a um certo contorcionismo: é preciso deitar-se no chão e atirar a cabeça para trás, para acertar a pedra. Mas eles garantem que quem o fizer jamais ficará entalado por falta da palavra adequada - seja ela de escárnio ou de elogio.
Valeria a pena ir até a Irlanda nem que fosse só por causa disso.

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