Eu sou Aquela que é a mãe natural de todas as coisas, senhora e governante de todos os elementos, a descendência inicial dos mundos, chefe dos poderes divinos, Rainha de tudo o que há no Outro Mundo, a principal daqueles que habitam as alturas, manifestada sozinha e sob a forma de todos os Deuses e Deusas.
Talvez uma das mais complexas e contraditórias Deusas do panteão celta, Brigid pode ser vista como a mais poderosa figura religiosa em toda a história da Irlanda. Muitas partes de tradições diversas têm se assemelhado, tornando complicados a Sua história e Seu impacto, mas permitindo que Ela sobreviva sem dificuldades pelos dos séculos. Ela tem sido bem sucedida em permanecer intacta por gerações, cumprindo diferentes papéis em tempos divergentes.
Ela foi, e continua sendo, conhecida por muitos nomes. Chamada de Bride, Bridey, Brighid, Brigit, Briggidda, Brigantia, eu estou usando o Seu nome, Brighid, aqui.
Há também muitas variantes de pronúncia, todas corretas, mas, na minha mente, eu uso a pronúncia "breet".
Seu nome também tutelava uma confederação de tribos que habitava o norte da Inglaterra, sul da Escócia, nordeste de Gales e o reino de Leinster na Irlanda, os Brigantes. A importância da raiz de seu nome, que é tão emblemática no mundo Celta, é clara: brig - tem significados de “elevação”, “altura”, “altivez” e “poder”. Brighid é “A Elevada”, ou em uma leitura mais simples, “Aquela que Está Acima.”
Na mitologia Gaélica, Brighid é a filha de Dagda, o Bom Deus, cujo nome é Eochaid Pai-de-Todos. Sua mãe nos é desconhecida, mas como ela é vista sempre como a irmã do deus do amor e da juventude, Oéngus mac Ind Óg, normalmente especulamos que sua mãe seja a mesma que a dele, ou seja, Boann, deusa tutelar do rio Boinne.
Brighid, porém, não é apenas uma. Ela é descrita como sendo três deusas em uma: uma é Brighid, a poetisa; a segunda é Brighid, a ferreira; a terceira é Brighid, a curandeira. Essas são as três principais associações da deusa, que é claramente uma protetora da Tribo e dos assuntos humanos. A arte da cura, sempre vista como sagrada por todos os povos antigos. A arte da metalurgia, vista como sagrada pela maioria dos povos que os Mediterrâneos chamavam de “bárbaros”, como Celtas, Germanos e Eslavos. E a arte da poesia, sempre sagrada para os povos Celtas.
Brighid, em sua associação com as artes da cura, também é associada com várias fontes curativas na Irlanda, sendo também uma deusa das nascentes. Na mitologia Celta, há o forte simbolismo do fogo na água, que gera as névoas do Outro Mundo.
Brighid é uma deusa das águas, mas também do fogo, fogo esse que é essencial a todas as suas artes, o fogo que aquece o doente, que tempera o aço, e mais do que tudo, o fogo que inflama na mente dos poetas, e os leva a compor sua poesia mística.
A associação com o fogo traz um novo “ramo” de habilidades associados à Brighid, que é a arte da cervejaria. Outra arte humana que é associada a ela, é a criação de gado. Ela possuía dois grandes touros, Fea e Men, que podiam arar sozinhos toda uma planície. Na sua encarnação como Santa Brígida também há essa associação, pois ela teria um conjunto de vacas que dariam um suprimento infinito de leite, associando-a com a fartura.
Um outro ponto que permanece obscuro para muitos é sua associação com a caçada e a atividade guerreira. Em boa parte da mitologia Celta, a caçada ao Javali é o ápice da bravura, parte de um processo quase iniciático para os guerreiros. E o grande javali do mundo, o Torc Triath (cognato do Galês Twrch Trwyth) era de sua propriedade.
Brighid, deusa das artes humanas, também possuía sua ligação com as forças primordiais da natureza, através das associações com a natureza e com a fartura, mesmo porque ela pode ser filha de uma deidade primordial, Boann, a deusa do Rio Boyne. Essa ligação ainda aparece em um dos seus matrimônios.
Ela foi casada com Bres mac Elatha, o filho do Rei Fomorian que reinou sobre as Tuatha Dé Danann. Um casamento entre um deus das forças primevas e uma das deusas da tribo. Dessa união, nasce Ruadán, que vem a morrer na Segunda Batalha de Moytura. Quando isso ocorre, Brighid vai até o campo de batalha, e entoa o primeiro caoineach da Irlanda. Essa é uma tradição que permaneceu viva no folclore Irlandês, que dizia que, na hora da morte de um homem, as mulheres da família e das redondezas entoariam lamentos na forma de gritos e prantos violentos, como uma forma de mostrar que o falecido era bem quisto no mundo dos vivos. Essa associação pode ligar a deusa com Banshe (Bean Sidhe), aquela cujos gritos avisam aqueles que estão para morrer no folclore Gaélico.
Outro casamento seu foi com Tuireann, com o qual ela tem três filhos, Brian, Iuchar e Iucharba. Esses três, embora sejam parte das Tuatha Dea, tinham rivalidades com outro grupo, e terminam por assassinar Cián, pai de Lugh Lamfhada. Mesmo que Brighid pouco apareça nessa história, há uma tendência em ocorrer um fim trágico para os seus filhos. Ainda assim, na forma de Santa Brígida, há muitas associações dela com as relações familiares, principalmente na manutenção do fogo da lareira, onde a família se reunia durante o Inverno.
Ela é a Deusa do fogo, das fontes curativas, dos poetas e sua arte, da metalurgia, da cura, da fermentação, do lar e da família, da pecuária. Deusa de todos, do povo comum, da aristocracia bélica, das classes eruditas. E o mais impressionante de tudo, deusa que não foi esquecida no Cristianismo.
Não há informações claras sobre se realmente houve uma mulher chamada Brighid na Irlanda que, ao se converter ao Cristianismo e assumir a autoridade dentro da Igreja Celta (então, muito diferente da Sé Católica), criou o seu santuário em Kildare, na Irlanda (cujo nome, Cill Duir, “Templo do Carvalho”, pode indicar uma importância pré-Cristã para o local) e a ordem de freiras que mantiveram vivas tantas tradições Gaélicas.
Mas quer essa mulher tenha existido, quer tenha sido inventada pela Igreja, as características atribuídas a ela vem da deusa do qual ela recebeu o nome. Todas as suas associações (incluindo com as fontes curativas) vem da deusa pagã. Seu festival, Lá Fheile Bríde é o Imbolc, a Festa da Primavera, que começa a se aproximar. É a festa da deusa Brighid, e é a ela que devemos nossas homenagens nesse dia, seja na forma da Deusa ou da Santa.
Seu culto, tão ligado ao fogo (como o da deusa) incluía a vigília. No monastério de Kildare, um grupo de nove freiras cuidava de uma chama perpétua, que não podia se apagar. A cada dia, uma era responsável. No décimo dia, a nona freira deixava a madeira ao lado da fogueira e deixava a responsabilidade para a própria Brighid. O fogo foi, por várias vezes, apagado pelas autoridades Católicas que julgavam aquilo como sendo uma sobrevivência de paganismo, mas ele sempre foi reaceso.
O fogo de Brighid é mais que o fogo de Kildare. É aquele que queima na cabeça e no coração dos seus devotos. E esse nunca vai se apagar, por isso, o fogo de Brighid sempre irá ser aceso de novo.