Atualmente, existe um interesse imenso sobre qual seria a língua falada por tão fascinante povo, e porque ela teria morrido.
Na verdade, ela não morreu, e nem mesmo há uma única língua de origem Celta no mundo. Nesse momento, existem quatro línguas Celtas faladas ainda na Europa e nas colônias, e duas em processo de ressurreição. E todas, sem exceção, retrocedem à antiga língua-mãe Celta.
As línguas Celtas são idiomas Indo-Europeus em origem, e derivam, portanto da linguagem Indo-Européia. Enquanto os Indo-Europeus migravam para o Oeste (Celtas, Helenos, Germanos, Italiotas...) e Leste (Hindus principalmente), as difusões e épocas migratórias geraram, influências de povos aborígenes e períodos de isolamento geraram diferentes povos, com diferentes estruturas sociais e também, línguas diferentes.
Desses ramos lingüísticos, um deles foi chamado de Céltico pelos filólogos; não se sabe exatamente quando o Céltico teria florescido, uma vez que caráter migratório dos povos Celtas os levava sempre às novas regiões, com novas influencias lingüísticas, e assim, o Céltico terminou por dar origem a um sem numero de línguas, a maioria perdida atualmente.
As línguas Celtas melhor documentadas são aquela que pertencem ao chamado Céltico Insular, ainda que os primeiro registros que temos sejam das linguagens pertencentes ao Céltico Continental.
Das línguas Celtas Continentais, aquela que conhecemos melhor é o Gaulês. Apesar disso, é um erro pensar que Gaulês era idioma único.
Os cronistas nos dizem que a fala dos Gauleses de uma região diferia da fala dos de outra, indicando a possibilidade de um grande número de dialetos locais. Daqui vem muitas das palavras tão conhecidas daqueles que estudam os Celtas, como Maponos (Mabon, em Galês), Samonios (Samhain, na tradição Irlandesa) e outras.
Alguns dizem, com base nos nomes de Maponos, Epona e alguns outros, que a língua Galesa teria fortes afinidades com as línguas insulares Britânicas, uma vez que Maponos é semelhante à Mab (filho em Galês) e difere de Mac (filho em Gaélico). O mesmo vale para Epona, da raiz Gaulesa “epos” (égua), enquanto o Gaélico Arcaico seria “ech” (semelhante ao Latim “equus”).
De qualquer modo, o Gaulês veio a perecer com os séculos de dominação Romana, e apenas as inscrições nos dão o testemunho dessa língua.
Muitas línguas Celtas Continentais também nos legaram alguns registros, como o Celtibérico, e todas elas têm recebido estudos em uma tentativa de reconstrução. Todavia, são línguas mortas, pois o vocabulário disponível não permite uma fluência verdadeira em nenhum dos casos. Os melhores avanços foram feitos no Gaulês, onde um sistema Gramatical (o Labarion) foi desenvolvido, e um belo vocabulário existe.
A realidade das línguas Celtas Insulares é bem diferente.
Quando os Celtas atingiram as Ilhas Britânicas, houve uma cisão entre eles.
Na Irlanda ficaram os chamados Celtas Goidélicos, enquanto na Bretanha, os Celtas Britonicos. Não se sabe exatamente como houve essa separação, mas é normalmente aceito que as línguas já diferiam antes dos Celtas alcançarem as Ilhas.
Algumas evidencias apontam para um Celtibérico mais próximo ao Gaélico, enquanto, como já foi dito, o Gaulês seria mais semelhante aos idiomas Britônicos, e isso talvez nos diga que as expedições dos Celtas para as Ilhas partiram de regiões diferentes.
Se alguma chegou antes, se empurrou ou assimilou a outra, isso é uma questão de suposições apenas.
O Britônico se assentou na Ilha maior, e pode ter sofrido influências do idioma Picto, embora pareça que os Pictos é que tenham sido Britonizados, uma vez que alguns nomes Pictos conhecidos têm afinidades Britônicas.
Uma outra hipótese é que os Pictos tenham sido sempre Celtas Britônicos, apenas separados dos outros por épocas migratórias. Após isso, com a dispersão das tribos pela Bretanha, diferenças de dialetos surgiam.
A invasão seguinte, a dos Romanos, trouxe novas influencias ao Britonico. Porém, diferente do que ocorrera na Gália, na Bretanha a língua nativa sobreviveu, agora já diferindo do que era anteriormente, com influências Latinas.
As invasões que se seguiram, dos Escotos da Irlanda e dos Germanos (Saxões, Anglos, Jutos...) continuavam a influenciar a língua, mas ela permanecia Britonica no todo.
Aqui nasceu um dos dois ramos que os filólogos atuais identificam como línguas Celtas modernas, o Celta Britônico, ou Celta P, já que suas palavras utilizavam uma troca do som do “K” Indo-Europeu por um “P” (ou “b”, em Galês moderno), ainda que o som do “K” não fosse totalmente perdido.
Do Britônico nasceu o Galês (Cymraeg) que permaneceu falado no interior Britânico, em regiões de menor influência dos Anglos e Saxões.
Com a chegada dos Normandos, os falantes do Galês recuaram mais para o Oeste.
Uma versão do Galês também foi falada no sul da Escócia, mas ali a língua cedeu rapidamente espaço para as variantes do Inglês. Porém o Galês no País de Gales não pode ser banido, tendo diversos inimigos e aliados ao longo da Historia.
Uma das ações que permitiram a sobrevivência da língua foi a da “cultura de capelas” da Igreja Metodista, que apoiava o uso da língua, mesmo com ela proscrita pela coroa Inglesa.
Atualmente, a língua Galesa sofre poucos problemas, mas seu número está longe de ser seguro. Gwynedd, Dyfed e Glamorgan são os três maiores centros de falantes de Galês, que são cerca de um terço da população do País de Gales.
Cerca de trinta mil Argentinos também falam Galês, descendentes de colonos Galeses que se assentaram na Patagônia.
A língua não corre mais risco de desaparecimento imediato, mas ainda não tem o futuro assegurado.
Outra língua descendente do Britônico, mas que não teve tanta sorte foi o Córnico (Kerneweg), que foi falada na Cornualha, no atual extremo sudoeste da Inglaterra.
A língua diferia pouco do Galês, apenas o suficiente para ser considerado outro idioma, mas a baixa população e a rápida queda de Kernow perante os Anglo-Normandos condenaram a língua. Como o Galês, ele foi proscrito, e nem mesmo a Igreja Metodista pode salvá-lo. Porém, a destruição não foi completa, nos legando textos, como dramas religiosos medievais, e permitiram a reconstrução da língua.
Diferente do Gaulês, a quantidade de textos era grande, e a estrutura gramatical era reconhecida no Galês e no Bretão.
Com um vocabulário vasto, e duas línguas irmãs disponíveis, o Córnico foi reconstruído no século XX, e alguns dos estudiosos passaram a ensinar o idioma em suas casas.
Atualmente, cerca de trezentas pessoas falam Córnico, e seu caso único, o de uma língua morta que parece realmente estar conseguindo ressurgir das cinzas.
O Bretão (Brezhoneg) é um caso mais complicado. Também uma língua Britônica, é atualmente a única língua Celta falada na Europa Continental.
A migração dos Britonicos para a atual Bretanha Francesa (Breizh) começou por instigação dos Romanos, e atingiu seu ápice durante as invasões dos Saxões à Ilha Britânica.
Ali, os Bretões, que viviam separados de seus primos nas Ilhas, terminaram por desenvolver uma língua que diferia de sua base Britônica, com influencias dos dialetos Latinos da região, e depois do Francês Normando também.
A língua foi o idioma Celta que sofreu os ataques mais ferozes, por parte do governo Francês, e não do Inglês. Ela foi perseguida até o século XX, mas sobreviveu, e apesar de ser uma língua com um grande percentual de falantes idosos, ela tem um número expressivo (cerca de meio milhão de fluentes) e com o fim da perseguição (apesar de algum preconceito ainda persistir), ela finalmente volta a crescer.
Os Bretões foram alguns dos principais responsáveis pelo “Renascimento Celta”, com a força e divulgação de sua cultura, música (Alan Stivell) e literatura, e se esse movimento permanecer em crescente, o futuro da língua pode estar assegurado.
Na Irlanda proliferou o ramo chamado Celta Goidélico (ou “Celta Q”), atualmente o mais visível ramo das línguas Celtas. Possivelmente levado à ilha por Celtas vindos da Ibéria, o Goidélico permaneceu praticamente sem contestação até a Idade Média. Sua língua herdeira local, o Gaélico Irlandês (Gaeilge), foi falada até a conquista Britânica, e foi a língua na qual foram registrados os primeiros livros em língua Celta, pelos monges que pregavam na ilha.
Nessa língua estão preservados verdadeiros tesouros como o Echtrae Chormaic, o Tochmar Étaine, o Táin e o Leabhar Gaballa Érenn, todos textos importantíssimos para o entendimento da mitologia Celta.
A língua foi inclusive levada por migrantes Irlandeses para suas colônias além-mar. A língua permaneceu falada entre o povo após a Cristianização, e muitos textos fundamentais ao primevo Cristianismo Irlandês tem versões tanto em Latim quanto em Gaélico.
Após a conquista pela coroa Britânica, o Irlandês sofreu ferozes ataques do governo centrado em Londres, mas como sempre acontece com as línguas Celtas, o povo se recusava a deixar a fala de seus pais.
Os piores estragos ocorreram com a horrível gestão de Cronwell e a Praga da Batata, já no século XIX, fatos que atingiam principalmente o povo Gaélico do interior da Ilha Esmeralda, causando morte e imigração para a América do Norte massivas, e dificilmente a língua sobrevivia à mudança. Mas a língua resistiu, e com as ações de independência, deixou de sofrer ataques diretos, ainda que continuasse ameaçada pela mídia e educação Anglofonas.
A língua foi incluída como matéria obrigatória nas escolas Irlandesas, e é a primeira língua da nação pela Constituição.
Atualmente, a língua, mesmo não sendo falada pela maioria da população Irlandesa, tem interesse renovado, numero de falantes seguros e material de sobra para que aqueles que se interessam por estudos Celtas.
A língua foi levada até a Ilha de Mann pelos Irlandeses, e é possível que a população anterior fosse Britônica, mas os Gaélicos se tornaram logo predominantes, inclusive, seu santo nacional é o mesmo São Patrício da Irlanda. Porém a ilha passou para o domínio Britânico, mas a língua prevaleceu. Então veio a regência Escandinava na Era Viking (gerando uma das mais exóticas conversões da Historia, com a maioria dos Manqueses adotando a religião pagã Nórdica, misturando-a ao Cristianismo e ainda agregando fortes elementos Celtas), e durante esse tempo, a influencia Nórdica penetrou fundo na língua, tornando-a bastante distinta do seu Gaélico original.
Depois o controle da ilha passou à Escócia (que baniu a religião “mista” local), e a língua passou a ser reconhecida como Manx. Estando dentro do espectro da Coroa Britânica, a língua também estava destinada a ser banida, e também permaneceu falada pelo povo, mesmo com a pequena população da ilha.
A língua oficialmente morreu na década de 1970, mas foi totalmente registrada, e vem sendo estudada e revitalizada. Ela foi incluída no currículo escolar como matéria opcional para as crianças, e o interesse aumentou muito após a sua extinção. Atualmente, existem cerca de 1500 falantes do Gaélico Manx (ou Gailck), que aprenderam a língua por atitude própria e a passam aos filhos, e cerca de mil crianças freqüentam as aulas de Manx nas escolas. Tudo leva a crer em uma ressurreição completa da língua.
O Gaélico escocês (Gaidhlig) foi levado pelos colonos Irlandeses, na instituição do Dál Ríada. A língua nunca foi realmente falada por todo o território Escocês, dividindo espaço com uma variação do Galês no sul, e o idioma Picto (do qual não nos sobram registros) no leste, mas essas línguas logo deram espaço à variante do Inglês conhecida por “Lallans”. O Gaélico também cedeu rapidamente, mas por algum tempo houve regiões que falavam Gaídhlig. Ele, como o usual, foi resistindo entre o povo, mas de forma extremamente restrita. Porém, justamente pelo difícil acesso a essas regiões, ela sobreviveu, e não só isso, como manteve uma estrutura mais arcaica do que o Gaélico Irlandês, que sofreu mais influencias do Inglês. Com a anexação definitiva da Escócia ao Império Britânico, o Gaélico cedeu rapidamente mesmo nessas áreas isoladas.
Hoje, a língua sobrevive, mas é a mais ameaçada de todas as línguas Celtas. Seus números só são maiores do que os das línguas que morreram (Manx e Kerneweg) e talvez seus cinqüenta ou sessenta mil falantes na Escócia não sejam suficiente para manter a língua viva. Existem falantes dessa língua em Cape Breton, no Canadá, mas talvez seus números também não aumentem muito as chances.
Alguns trabalhos vêm sendo feitos para sua revitalização, mas sem um apoio estatal forte, não é possível afirmar que haverá um futuro seguro para o Gaídhlig.
Essas são as línguas Celtas, as herdeiras da fala desse povo antigo tão fascinante, e nas quais muitos dos seus tesouros culturais e literários são preservados. Elas são ameaçadas, mas resistem com uma tenacidade digna dos antigos Britânicos e Gaélicos, e trazem ao mundo moderno um pouco do seu modo de pensar e ver o mundo. E por isso, são cheias de méritos para aqueles que se interessam pelos Celtas, qualquer que seja seu motivo.