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sábado, 10 de outubro de 2009

SOBRE O TÁIN BÓ CÚAILNGE (2) - Contexto Histórico de Produção


Contexto Histórico de
Produção da Táin

Desde o século V, as instituições eclesiásticas irlandesas eram fundadas e mantidas por nobrezas locais cm o intuito de legitimar o poder dos reis de cantão (Tuath) e de províncias (Cóiced) e de fortalecer a cultura local nos constantes embates políticos entre os reinos. Os territórios destas instituições eram de caráter hereditário e as posições de comando eram indicadas pelas lideranças das famílias as quais elas estavam ligadas. Esse tipo de organização ficou conhecida como paruchiae.
O caráter de sua produção literária indica que são paruchiae se desenvolveram de forma a conservar tanto a tradição literária irlandesa de fundo pagão (que muitas vezes traçava a linhagem mítica das famílias nobres), quanto a disseminar os ensinamentos cristãos.
Esse tipo de produção indica que estes literatos e estudiosos não faziam distinção entre o conhecimento tradicional e o latino, como atestam muitos dos obituários da época, que freqüentemente se preocupavam em ilustrar com clareza o conhecimento dos falecidos tanto em uma quanto na outra “área”. Ademais, também implica que só era possível na medida em que era tolerado pelas autoridades eclesiásticas.
No entanto, a partir do século VII inicia-se um debate entre duas tendências ou “tradições” da Igreja Católica Irlandesa, os Hibernenses, organizados em torno da peruchiae e defensores deste sistema e os Romani, que representavam a ortodoxia advinda do Vaticano e eram muito menos tolerantes à manutenção dessa tradição de origem pagã. Além de defender a exclusão desses elementos heréticos a tendência Romani irá buscar a unificação da igreja sob uma autoridade central, já que via na interferência da nobreza nas instituições monásticas um “abuso” contra a igreja.
Durante os séculos VIII e IX, a Sé de Armagh irá se tornar o principal ponto de irradiação dessa tendência “romanizante”, buscando organizar a igreja irlandesa de acordo com os moldes europeus atendendo a pretensões de se tornar a autoridade secular central da ilha.
No campo político, veremos que a partir do século VII a dinastia dos Ulaid (Ulster) verá seu poder decair lentamente, enquanto o poder e a influência de outras dinastias irão afirmar-se cada vez mais. Mais adiante, durante os séculos VIII e IX conforme nos mostram as entradas nos Anais de Ulster, veremos que reis de cantões e reis de província começarão a angariar poder político e militar ao seu redor, em detrimento de unidades políticas menores.
Durante o fim do século IX, Máel Sechmaill irá unificar a dinastia dos Úi Néill, após derrotar inimigos vikings e irlandeses em 846 e irá iniciar uma companhia expansionista com a pretensão de unificar a Irlanda sob seu comando. Para isso, irá se valer do argumento da autoridade tradicional de sua dinastia sucessora dos “grandes reis de Tara”. Durante esse período, a Dinastia Úi Neill irá apoiar a Sé de Armagn em suas pretensões de unificação eclesiástica, assim como o Abade de Armagn irá posicionar a tendência romani a favor das pretensões dos Úi Neill.
Essa cooperação se manteve nos séculos seguintes, enquanto a dinastia dos Úi Neill aumentava seu poder e expandia territórios utilizando-se de mercenários normandos e apoiando as reformas eclesiásticas empreendidas pela Sé de Armagn. Por sua vez, a centralização do poder da igreja atendia a causa dos Úi Neill, na medida em que, ao remover o poder de indicar seus próprios seguidores as posições mais elevadas nos mosteiros, a “baixa nobreza” via sua influência política e cultural e também sua riqueza diminuídas e fragilizadas.
Este processo chega a seu ápice no século XII quando a tolerância à manutenção da tradição literária irlandesa se vê ameaçada não somente pelo fortalecimento e centralização política e religiosa, mas também intolerância a essa mesma tradição por parte dos normandos, cujo estado de ocupação já era avançado, sobretudo na porção Sul e Leste da ilha. Esse processo será determinado na composição da Táin II, uma vez que seu autor será profundamente afetado por ele.
Em 1164, o mosteiro de Tir Dás Glas, do qual Aed era o abade chefe é incendiado durante um de seus múltiplos conflitos entre Diarmait e seus vizinhos. Por volta de 1166, Diarmait Mac Murchada será expulso de seu reino e exilado da Irlanda por seus inimigos, o que causou um grande impacto em Aed, conforme ele nos mostra em uma nota deixada no Livro de Leister:

“O King of Heaven , dreadeful is deed that has been perpetuated today (i.e. The kalands of August), namely, Diarmait son of Donnchad Mac Murchada, King of Leinster and the foreigners (i.e., Dublin, Danes) has been banished over the sea by the men of Ireland. Alas, alas, o Lord what shall I do?”

Em seu exílio na Escócia e em Gales, Diarmait recruta mercenários normandos com o intuito de reconquistar seu reino, objetivo que atinge em 1170. No entanto, morrerá logo em seguida,deixando a cóiced de Leinster sob o julgo normando, encabeçado pela figura de Richard de Clare “Strongbow”. Aed, claramente inclinado a uma perspectiva hibernense, jamais verá seu mosteiro reconstruído, estando por conta própria ao copilar o Livro de Leinster, em meio a todas as intolerâncias e tradição literária irlandesa, advindas tanto dos irlandeses quanto dos normandos, o que muito provavelmente se refletiu nas perspectivas pessimistas que apresenta nas narrativas.
( continua...)

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