“But I consented not, for I demanded a strange Bride-gift surch as no woman before me had asked of a men of the men of Ireland, to wit, a husband without meannes, without jealousy, without fear. If my husband should be mean, it would not be fitting for us to be together, for I am generous in largesse and the bestowal of gifts and the would be a reproach for my husband that should be better than He in generousity, but it would be not reproach if we were equally generous provided that both of us were generous. If my husband were timorous, neither would it be fitting for us to be together, for sigle-handed I am victorious in battles and contests and combats, and it would be a reproach to my husband that his wife should be more courageous than he, but it is no reproach if there are equally courageous provided that both are courageous. If the man with whom I should be were jealous, neither would it be fitting, for I was never without a man in the shadow of another”.
É dessa forma que, logo no início da Táin Bó Cúailinge, a Rainha Medb descreve as virtudes que ela , como herdeira e soberana da Província de Connaught exigira de um homem para que este fosse aceito como seu consorte e se tornasse o rei dos Cruachan. Muito se tem discutido acerca dessa adição , ao épico, em sua versão do Livro de Leinster, que é inexistente nas versões anteriores.
Ao decorrer da narrativa, no entanto, as decisões de Medb se mostram deformadas, incompetentes e degeneradas. Isso, a nosso ver, se deve ao contexto histórico da produção dessa versão do épico, período no qual as tradições monásticas que se dedicavam à manutenção da tradição de origem irlandesa e profundamente ligadas a aristocracias regionais – os Hibernenses – se viam enfraquecidas pelas reformas eclesiásticas advindas do Vaticano, representadas pelas tradições Romani, muito menos tolerantes à manutenção de elementos de fundo pagão aos ensinamentos do cristianismo e apoiadas pela dinastia de Úi Néill, que detinha pretensões de unificação dos territórios da Irlanda sob seus domínios. Juntamente as invasões normandas, que contribuíram ainda mais para o declínio da manutenção da produção intelectual e tradicional representadas pelas escolas hibernenses, vemos que o autor do Livro de Leister e da copilação da Táin infere à narrativa um tom muito mais pessimista do que nas versões anteriores, ligando a figura de Medb à um modelo de soberania ilegítimo,débil e com valores tirânicos, representando as convulsões políticas de sua época.
A exemplificação do rei, ou melhor, dos valores do rei, oferecida pela voz de Medb, ressalta aos nossos olhos: em uma breve análise é possível, de imediato, verificar que antes de tudo, o rei é um guerreiro. Ele é também um redistribuidor, responsável pela coleta e distribuição dos bens na comunidade, assim como pela prosperidade do reino. Por fim, não deve ser “ciumento”; não deve se apegar à sua posição, pois sempre há um sucessor à sua sombra.
Assim sendo, “o arquétipo do soberano céltico é o daquele a quem uma boa administração e um poder material considerável o permitem dar generosamente, sem avareza ou repulsa. Sob o reinado de um bom rei, a abundância é universal: a terra é fértil, os animais são fecundos, a justiça é fácil e benévola, a vitória militar constante. O mau rei é aquele que sobrecarrega os seus súditos com impostos e contribuições sem nada lhes oferecer em troca; no seu reino a terra é estéril, os animais não procriam, a justiça é arbitrária e mesquinha e a derrota militar inevitável... na prática, um rei irlandês nunca restitui a realeza: perde-a com a vida, pois seu fim é a morte violenta nas mãos de seu sucessor, mais jovem e forte do que ele”
Essa concepção de soberania está profundamente ligada a elementos tradicionais bem definidos, cujos principais princípios são idealizações de origem mítica, mas que servem a propósitos sociais bem definidos. Por sua vez, ao contrastar essas preocupações com os esquemas apresentados por César ao longo do “Bello Gallico”, podemos perceber que, embora não seja possível afirmar que as diversas sociedades célticas detivessem as mesmas instituições, um paralelo comparativo nos é permitido ao observar que essas características se mostram determinantes no que se refere à manutenção do poder do rei. Como governante, ele precisa atender a um código extremamente difícil, às vezes impossível: tem de regular, a todo o momento suas alianças, suas obrigações como mantenedor da ordem e da prosperidade e seus deveres enquanto nobre. Tem também que ganhar a provação do druida, que intercede a seu favor junto aos populares aos deuses. E cada uma dessas decisões e ações irá pesar a favor ou contra a sua honra e, conseqüentemente, sua legitimidade enquanto figura régia responsável por aconselhar o rei (que podia ou não seguir esse conselho) e estava apto a renovar a conduta do monarca e até mesmo proferir a sátira contra ele, minando a sua honra e o impedindo de manter sua posição. Sua conduta pública também era determinante na manutenção de seu status régio: se fosse covarde ou se exercesse uma função qualquer não destinada à nobreza, via seu “preço de honra” e conseqüentemente, sua própria honra, sendo subtraídas e o impedindo de exercer esta função. Por fim, dependia de balancear e manter as suas alianças a todo o momento a fim de manter a sua posição.
O druida por sua vez, é dependente do rei na proporção em que só exerce suas funções plenamente dentro da corte: é em favor da nobreza e essencialmente do detentor do poder régio, que pratica o sacrifício, que atua como historiador, como adivinho, como bardo ou poeta, como jurista. É em favor ou em prol do rei que determina qual curso de ação deve tomar na ocasião de litígios e guerras, e na interseção junto aos deuses. Isso porque, embora possa exercer todas essas funções de forma solitária, é apenas dentro da corte e na presença de nobres e outros druidas que isso se reverte em um ganho ou aumento da sua honra.
Tanto o rei quanto o druida encontram-se em uma relação de dependência com os artesãos e produtores: eles ocupam um papel de primazia nas narrativas, uma vez que suas funções sociais são mais “dignas”, um responsável pela proteção espiritual e outro pela física, mas são essas camadas populares “menores” quem garantem o sustento e a manutenção das necessidades sacerdotais e guerreira. Essa conformação social demonstra não só a complexidade dessa sociedade, mas nos apresenta também uma estrutura onde os seus componentes são independentes, e ainda que não desfrutem dos mesmos privilégios, legitimam os outros indivíduos ou “funções” através de um intrincado sistema de reciprocidade e manutenção de “valores de honra”.
Encontramos uma sociedade dividida em três níveis ou partes, não estanques de geração para geração, de acordo com a sua função sacerdotal, guerreira ou produtora, opostas em função, mas dependentes entre si também são solidárias, ou seja, cada uma detém uma técnica ou “saber fazer” exclusivos, através dos quais sustentam os demais aspectos da sociedade a qual integram. E no que diz respeito à soberania, devemos levar em conta o papel da “terceira função” em relação às duas primeiras: elas não representam apenas a guerra e o sacerdócio, mas são àquelas que detêm o poder político.
É na relação de equilíbrio entre o druida e o rei que a soberania céltica é constituída, sustentada pelos artesãos e produtores sem os quais estariam desprovidos de matéria prima e força de trabalho para sua existência. Nesse sentido, a “classe” ou “função” é uma pertença hierárquica, conseqüência de uma constatação de uma determinada técnica ou especialização.
Se a “terceira parte” não goza de direitos políticos, é que não possui meios para tal: não pode interceder junto aos deuses e não possui a inteligência ou formação para aconselhar o rei. Também não conhece as artes da guerra e da defesa e não detém o espírito guerreiro necessários para a manutenção do território.
A antítese dessas funções é vista em funcionamento, em maior ou menor grau, na narrativa da Táin Bó, e são alvos de diversas formulações ao longo das recolhas de leis da Irlanda Medieval. Alguns autores defendem que Aéd concebera Medb para representar a antítese da realeza, especialmente por descrever uma figura totalmente deslocada ou “alheia” à função: pertence ao sexo errado, é azarada, gananciosa, julga mal, é desleal e desonrada: essa antítese é apresentada na figura da rainha de Connaght à fim de não levar especulações e a fúria de reis que poderiam vir a ser comparados à uma figura régia masculina.
No entanto, segundo nossa percepção, esta figura está lá, sob os auspícios de Ailill, que acompanha toda a campanha contra Ulster ao lado de Medb, praticamente sem voz e esmagado pela vontade de sua esposa.
Com isso, podemos nos questionar: numa visão tradicional, nobiliárquica e guerreira, não seria muito mais grave ser comparado a um rei que, mudo, vê a “rainha” cometer atos tão incorretos segundo seus valores sociais? A nosso ver, ele é o rei que foi controlado pelo poder avaro que não se importa com os seus súditos e age única e exclusivamente em favor de sua posição.
Por sua vez Conchobar, rei de Ulster, é o oposto a isso: é corajoso, generoso e justo, ao qual o herói Cú Cúllain é leal, defendendo a ele e seus súditos sozinho na hora de sua maior necessidade. Cú Cúllain, por sua vez, personifica tudo o que é bom ou ideal num guerreiro: ele sempre encontra um meio apropriado de agir de acordo com o seu desafio, jamais se excedendo ou sendo por demais inativo. É o exemplo perfeito da manutenção da honra, cujas alianças são sempre muito bem claras e cujas decisões estão sempre de acordo com sua “função”.
Quando um desses elementos sociais é, em geral o druida e o rei, deixam de estar em equilíbrio ou perdem a sua função original, deixam de ser celtas; ao druida e ao artesão é impossível assumir uma função régia, assim como o nobre é impedido de exercer as funções produtoras e sacerdotais. Quando, da ocasião da conquista romana ou do processo de cristianização, esses valores ou equilíbrios se desfazem: o Estado se torna laico e deixa de obedecer aos estrtos códigos de conduta que determinavam o valor, honra e legitimidade, junto as demais “funções” da sociedade. O druida deixa de ser o sacerdote e passa a ser apenas um sábioou um poeta, deixando de interceder (em teoria) junto aos deuses porque não tem mais por quem pedir ou é impedido de fazê-lo. Os produtores e artesãos, por sua vez, continuam a exercer sua função, mas questionam o fruto de seu trabalho e a reciprocidade para estruturas diferentes, sejam elas a administração romana centralizada, sejam os impostos à nobreza laica e as contribuições à igreja.
Também deixa de haver a soberania, ao menos na concepção céltica: o rei não é mais necessariamente mantido pelos valores tradicionais e não depende mais do druida para legitimá-lo junto às potencias divinas e junto aos populares: o druida deixa ser o intermediário e regulador do poder, o qual sob as mãos abertas da força e da brutalidade guerreira corre o risco inevitável de se tornar incontrolado e ilegítimo e, a unidade social, tradicional e ideal, se perde e deixa de ter razão de ser.
No próximo post, editaremos a extensa Bibliografia em que nos baseamos para editar esse artigo.
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