Versões, Contexto Histórico e Algumas Percepções Sobre a Soberania
Introdução:
Táin Bó Cúailnge, ou Razia das Vacas de Cooley é uma produção literária épica, de caráter mitológico e tratada como pseudo histórica por alguns estudiosos, que retrata elementos estruturais da sociedade céltica Tardo Antiga e Medieval, e que mesmo após o processo de cristianização da narrativa, mantém referências á cultura pagã que a produziu.
Permanecem, atualmente, duas versões conhecidas: a “ Táin Rescession I” encontrada no “Livro da Dun Crow” e a “Táin Rescession II” encontrada no “Livro de Leinster”.
Neste artigo iremos analisar o contexto de produção da versão mais recente, as possíveis motivações de seu redator e também algumas percepções a cerca da soberania num breve esboço sobre essa obra.
Permanecem, atualmente, duas versões conhecidas: a “ Táin Rescession I” encontrada no “Livro da Dun Crow” e a “Táin Rescession II” encontrada no “Livro de Leinster”.
Neste artigo iremos analisar o contexto de produção da versão mais recente, as possíveis motivações de seu redator e também algumas percepções a cerca da soberania num breve esboço sobre essa obra.
Versões:
A Táin Bó Cúailnge ou “Razia das vacas de Cooley”, é uma narrativa épica irlandesa, cujas versões conhecidas datam dos séculos XI e XII, respectivamente, muito embora referências poéticas da Táin Bó possam ser encontradas em poemas que se acredite datarem do século VII; uma dessas referências está preservada em um manuscrito datado de aproximadamente 750 d.c. e estudos lingüísticos e literários apontem para uma maior ancestralidade de suas estruturas narrativas: em geral, a língua dos textos é muito mais antiga que a data da transcrição e quando a língua é renovada por uma transcrição recente, é raro não subsistirem vestígios ou formas de palavras antigas.
A despeito disso, embora as estruturas descritas no épico tenham sido cristianizadas e tenham recebido adições ou sofrido algumas alterações de acordo com o contexto histórico de quando foram reescritas, ainda descrevem um comportamento social arcaico, que podemos verificar ao compará-las com aquelas descritas por autores clássicos, sobretudo César.
A Táin Bó Cúailnge faz parte do corpo literário conhecido como ‘’Ciclo de Ulster’’, que descreve os feitos dos Ulaid, ou “ Pessoas de Ulster”, e é a mais longa e importante narrativa do “ciclo”. Ela descreve a mobilização das colced ou províncias de Mide, Connaugnt, Munster e Leinster contra as cóicedi de Ulster, sob o comando da rainha Medb e do rei Ailiil, soberanos de Connaugth, com o fim de se apossar de Donn Cúailnge, um touro gigante e mágico que pertence aos homens de Ulster. (Já contada e recontada em artigos anteriores nesse blog).
A narrativa se desenrola em um passado heróico distante, onde divindades pagãs e pessoas da Sidh (o “Outro Mundo”) interagem com as personagens da narrativa, onde essas personagens algumas vezes possuem estaturas gigantescas ou habilidades super-humanas e figuram, no cenário, criaturas mágicas e fantásticas. Em muitos aspectos, a Táin guarda aspectos de um “Mito da Criação”, pois muitas dessas figuras apresentadas na narrativa são as responsáveis pela criação ou nomeação de localidades e acidentes Geográficos importantes.
Tradicionalmente, costuma-se atribuir à narrativa da Táin à idealização de uma perspectiva do ponto de vista guerreiro, uma celebração á coragem e habilidade marcial. No entanto, através de uma crítica mais aprofundada, podemos perceber que sua estrutura se trata de uma mistura da tradição oral pagã com elementos dos ensinamentos cristãos, criando ironias e paradoxos bem claros no decorrer do texto, que representam um “rompimento trágico” com os valores sociais da Irlanda antiga, no qual está fundamentada: “ por trás da imensa vitalidade humor e imaginação das narrativas do Ciclo de Ulster há uma imagem da sociedade movendo-se rumo à disfunção e auto-destruição. A recorrência de temas como honra, valor, fidelidade e a validade da soberania também são recorrentes, demonstrando a sua importância na narrativa.
Embora ambas as versões tratem do mesmo episódio – a razia de vacas que mobilizou quatro províncias da Irlanda contra uma quinta – existem importantes diferencias estruturais importantes entre os dois documentos, como veremos a seguir. Feito isso, procuraremos estabelecer os elementos que nortearão nossa análise da narrativa, levando em conta os motivos de nossa escolha pela versão utilizada no trabalho e o contexto histórico de sua produção.
A primeira dessas versões é o Táin Bó Cúailnge Rescencion I, escrita por volta do ano 1100, e encontra-se no manuscrito Lebor na hUidre. Foi copilada por Muire Mac Céilechar, indivíduo do qual pouco se conhece. Esta versão inclui diversos episódios repetidos em diferentes variações, o que leva a crer que seu autor estava mais preocupado em produzir o conteúdo tradicional do que organizá-lo em um corpo estrutural coerente.
A segunda versão é a que nos interessa mais, é a Táin Bó Cúailnge II, encontrada no Livro de Leinster e escrita entre 1151 e 1201, a qual é mais documentada e completa. Seu autor,Áed Úa Crimthainn, preocupou-se em organizar os eventos da Táin em uma estrutura seqüencial e mais inteligível, produzindo uma narrativa mais unificada. Áed, por sua vez, era provavelmente o historiador chefe do rei de Leinster, Diarmait Mac Murchada e também o último abade de Tír Dás Glass (Terryglass) em Tipperary.
Além da organização, a Táin II conta a inserção de uma introdução à narrativa, conhecida como Pillow Talk ou “conversa de travesseiro”, que descreve os motivos para a mobilização dos “omens da Irlanda” na razia contra a cóiced de Úster, inexistente na Táin I, que já se inicia com as tropas marchando sob o comando da Rainha Medb, descreve mais episódios do que a outra versão e suas personagens são mais estilizadas. Também possui um colofão em latim, que se destaca do restante do texto, escrito em gaélico (iremos tratar desse assunto mais adiante).
Por fim, a narrativa da Táin II estrutura-se num caráter muito mais negativo e pessimista do que a na Táin I, especialmente no que se refere a descrição da Rainha Medb, que é apresentada como a antítese de todos os valores “tradicionais” de comportamento guerreiro e de soberania. A conclusão da Táin II também é muito mais pessimista: na ocasião da conclusão da narrativa, não há uma paz após a guerra e o touro mágico Donn Cúailnge se volta contra as mulheres e crianças de Ulster, matando-as e depois morre de tristeza.
Esses elementos são marcantes e emblemáticos quando analisados à luz dos eventos históricos irlandeses do século XII, sobretudo aqueles que envolvem a vida do autor do Livro de Leinster. Por esse motivo, escolhemos a Táin II, com o intuito de identificar em nosso trabalho os valores tradicionais de uma sociedade que se vê em vias de extinção frente ao processo de cristianização da Irlanda.
Continua...
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